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um limão os novos acontecimentos que afetam o coração. Entretanto, só há
       uma parte do novo que se une ao antigo. Subsiste um resto que, na morada
       do coração, não encontra nada que lhe seja aparentado e se instala, por
       conseguinte, sozinho, para grande desgosto dos antigos habitantes, com
       que ele entra muitas vezes em conflito. Mas eis que chega um amigo, que
       um livro se abre, que uma jovem passa! Novos visitantes afluem já de
       todos os lados nessa morada que está aberta a todos e o solitário encontra
       entre eles, em grande número, seres de elite que são aparentados seus.

              Mas é estranho; não é verdade que esses visitantes chegam porque
       querem; não é verdade que chegam como são. Tudo o que a alma não pode
       refletir, não o encontra; como compete à vontade deixar a alma refletir ou
       não, a alma só encontra o que quer. Para muitos essa idéia parece
       inaceitável; lembram-se de se terem rebelado contra certos sentimentos.
       Mas o que é que determina, no fim das contas, o querer? Não é freqüente
       que o querer cochile e que somente as tendências e as inclinações estejam
       despertas? Ora, uma das inclinações mais fortes da alma é certa
       curiosidade pelo novo, um apetite pelo inabitual; assim se explica que nos
       deixemos muitas vezes levar a humores desagradáveis.


              Mas a força de acolhida da alma não é inteiramente submetida ao
       querer; a alma é feita da mesma matéria que os acontecimentos ou de uma
       matéria análoga; por isso pode ocorrer que um acontecimento, que não
       toque nenhuma corda a ela aparentada, pese na alma com todo o peso de
       um humor e acabe por exercer tamanha pressão que concentra em restritos
       limites o que constitui, aliás, o conteúdo da alma.


              Os humores provêm, portanto, seja de combates internos, seja de
       uma pressão do exterior sobre o mundo interior. Guerra civil, guerra de
       dois campos num caso; e, no outro, opressão do povo por uma casta, por
       uma reduzida minoria.

              Parece-me muitas vezes, quando observo meus pensamentos e
       meus sentimentos e tomo cuidado sem nada dizer do que se passa em mim,
       que ouço o murmúrio ou os gritos dos dois partidos desencadeados, como
       se houvesse um rumor no ar, como quando voam para o sol um
       pensamento ou uma águia.

              O combate é o constante alimento da alma, ela sabe extrair dele
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