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muita doçura e beleza. Ela destrói tudo dando à luz o novo, ela luta com
       violência ao mesmo tempo que atrai docemente seu adversário para se unir
       a ela intimamente. O mais estranho é que ela nunca se preocupa com o
       aspecto exterior, com o nome, com a pessoa, com as regiões, com as belas
       palavras, com os traços de uma escrita; tudo isso para ela só tem um valor
       subordinado, ela só aprecia o que está sob a casca.

              O que agora faz toda a tua felicidade ou todo o sofrimento de teu
       coração talvez não seja, num instante, mais que o véu de um sentimento
       mais profundo que se esvairá em si mesmo quando aparecer o que for de
       mais elevado preço. É assim que nossos humores não cessam de se
       aprofundar, nenhum dentre eles se assemelha exatamente aos outros; cada
       um deles é de uma insondável juventude, é ele que faz nascer o instante.

              Penso em numerosos objetos de meu amor; nomes e pessoas
       mudaram e não quero pretender que suas naturezas tenham ganhado
       sempre em profundidade e em beleza; mas é verdade que cada um desses
       humores semelhantes entre si represente para mim um progresso e que é
       insuportável para o espírito passar de novo pelos degraus pelos quais já
       passou; quer sempre se estender em altura e em profundidade.

              Saúde para vocês, caros humores, estranhas modificações de uma
       alma de tempestades, diversos como o é a natureza, mas maiores que ela,
       porque vocês não cessam de subir, de procurar se elevar, quando a planta
       exala ainda o mesmo perfume do dia da criação. Eu não amo mais como
       amava, há algumas semanas; neste momento não tenho mais o mesmo
       humor de quando comecei este texto.

              Tentei primeiro com música: impossível; meu coração não parava
       de estremecer e os sons não ganhavam vida. Tentava em seguida com
       versos; não, não são rimas que vão captar isso, não rimas tranqüilas e bem
       medidas. Alcancem-me esse papel; dêem-me outro e que a caneta arranhe,
       depressa, e que a tinta escorra!

              Morna tarde de verão; luz moribunda, raios pálidos. Vozes de
       crianças nas ruelas; ao longe, barulho, música; é uma feira; danças,
       lampiões de todas as cores, rugidos de animais selvagens; por vezes um
       petardo, soar de tambores, regular, penetrante.
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