Page 120 - As Viagens de Gulliver
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talvez a inocente, mas funesta, causa da sua desventura, como tive ocasião de
      verificar.
          Corria então por todo o país que o meu amo encontrara no campo um
      animal, do tamanho de, talvez, um splacnuck (animal da região que devia ter seis
      pés) e com a mesma configuração de um ente humano; que imitava o homem
      nas suas menores ações e parecia falar uma espécie de linguagem, que lhes era
      própria;  que  já  aprendera  muitos  vocábulos  do  idioma  deles;  que  caminhava
      direito sobre os dois pés, era dócil e tratável, acudia logo que o chamavam, fazia
      tudo quanto lhe ordenavam, tinha os membros delicados e uma tez mais branca e
      mais fina do que a filha de um fidalgo aos três anos de idade. Um lavrador, seu
      vizinho e seu íntimo amigo, veio fazer-lhe uma visita para verificar a veracidade
      do boato que correra. Mandaram-me logo chamar; colocaram-me em cima da
      mesa, por onde caminhei, como me ordenavam. Desembainhei e embainhei a
      espada; cumprimentei o amigo do meu amo; perguntei-lhe, na língua do seu país,
      como  ia  de  saúde,  dei-lhe  as  boas  vindas,  enfim,  segui  todas  as  indicações  da
      minha pequena professora.


















          Este homem, a quem a avançada idade cansara a vista, pôs os óculos para
      me ver melhor; essa ação fez-me soltar uma grande gargalhada. As pessoas da
      família, que descobriram o motivo da minha alegria, também desataram a rir; o
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