Page 121 - As Viagens de Gulliver
P. 121
alvejado, porém, era tão gebo e tão palerma, que não se melindrou com isso.
Tinha a aparência de um avarento e isso foi confirmado pelo estúpido conselho
que deu a meu amo, para que me fizesse ver por dinheiro em qualquer dia de
feira, na cidade próxima, afastada da nossa casa mais de vinte e duas milhas.
Pareceu-me que falavam a meu respeito, pois o faziam em segredo, durante
algum tempo, e outras vezes olhavam para mim e apontavam-me.
No dia seguinte, de manhã, Glumdalclitch, a minha juvenil ama,
confirmou as minhas suspeitas, contando-me toda a conversa que tivera com a
mãe. A pobre pequena meteu-me no seio e bastantes lágrimas chorou; receava
que me acontecesse algum mal; que me pisassem, me estropeassem, ou, talvez,
homens rústicos e brutais me esmagassem, quando me segurassem. Como
notasse que era de índole modesto e muito delicado em tudo quanto respeitava à
minha honra, apoquentava-se por me ver exposto por dinheiro à curiosidade do
mais baixo povo; dizia que o pai e a mãe lhe tinham prometido que Grildrig seria
tudo para ela, porém que via perfeitamente que queriam enganá-la, como no ano
anterior lhe haviam feito, quando lhe fingiram dar um cordeiro, que, tornado
carneiro, foi vendido a um magarefe. Quanto a mim, posso dizê-lo com verdade,
senti menos pesar do que a minha pequena dona. Concebi grandes esperanças,
que nunca me abandonaram, de que um dia recuperaria a liberdade e, com
respeito à ignomínia de ser transportado de um lado para o outro, como animal
raro, pensei que tal desgraça nunca poderia ser repreensível e não atingiria a
minha honra, quando chegasse à Inglaterra, porque o próprio rei da Grã-
Bretanha, se estivesse em idênticas circunstâncias, teria a mesma sorte.
Meu amo, conforme a opinião do amigo, meteu-me em um caixote e, no
dia da feira, conduziu-me para a cidade próxima com a filha. O caixote era todo
tapado e apenas tinha alguns buracos para deixar entrar o ar. A minha amiguinha
tinha tido o cuidado de colocar debaixo de mim o colchão da cama da sua
boneca; entrementes, fui rudemente sacudido durante a viagem, que, no entanto,
foi apenas de meia hora. O cavalo andava quarenta pés aproximadamente cada
passo, e trotava de tal maneira, que a oscilação era a mesma de um navio por
ocasião de temporal; o caminho era um pouco mais comprido do que de Londres
a Saint-Albans. O meu dono apeou-se do cavalo numa estalagem, onde
costumava ficar e, depois de conversar um pouco com o estalajadeiro e fazer
alguns preparativos necessários, alugou um grultred, ou pregoeiro público, para
chamar a atenção de toda a cidade para um animal raro, que se poderia ver por
indicação da Águia-Verde, que era menor do que um splacnuck e parecido, em
todas as partes do seu corpo, com uma criatura humana, que podia pronunciar
muitas palavras e fazer uma infinidade de frases retumbantes.