Page 126 - As Viagens de Gulliver
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moradia. Meu amo fez sentar a filha na garupa, por detrás dele. Levou-me em
      uma  caixa  presa  em  volta  do  corpo,  metida  no  pano  mais  fino  que  ela  pôde
      encontrar.
          A  vontade  de  meu  amo  era  fazer-me  ver  pelo  caminho,  em  todas  as
      cidades,  vilas  e  aldeias  um  pouco  importantes,  e  percorrer  até  os  solares  da
      nobreza que pouco o desviassem do seu caminho. Fizemos jornadas pequenas,
      apenas de oitenta ou cem léguas, porque Glumdalclitch,  de  propósito,  para  me
      evitar fadiga, queixou-se de que já estava moída com o andamento do cavalo.
      Muitas vezes me tirava da caixa para tomar um pouco de ar. Atravessamos uns
      seis rios mais largos e mais profundos que o Nilo e o Ganges, e quase não havia
      ribeiro que não fosse maior do que o Tâmisa na ponte de Londres. Demorámo-
      nos três semanas nessa viagem e fui exibido em dezoito grandes cidades, sem
      contar várias aldeias e muitos solares de província.
          Ao vigésimo sexto dia de Outubro, chegámos à capital, chamada na sua
      língua Lorbrulgrud ou o Orgulho do Universo. Meu amo alugou um aposento na
      principal rua da cidade, pouco afastado do palácio real, e distribuiu, conforme
      costumava, programas, contendo uma minuciosa e atraente descrição da minha
      pessoa  e  das  minhas  habilidades.  Alugou  uma  grande  sala  de  trezentos  a
      quatrocentos  pés  de  largura,  onde  colocou  uma  mesa  com  sessenta  pés  de
      diâmetro, em cima da qual eu devia desempenhar o meu papel; fê-la cercar de
      paliçadas, para evitar que eu caísse. Foi em cima desta mesa que me exibiu dez
      vezes por dia, com grande espanto e satisfação de todo o povo. Então, sabia eu
      falar sofrivelmente a sua língua e entendia perfeitamente tudo quanto diziam de
      mim; além disso, aprendera o seu alfabeto e podia, embora com certo custo, ler
      e explicar os livros, porque Glumdalclitch dera-me lições em casa do pai e nas
      horas de descanso no decorrer da viagem; trazia um livro na algibeira, um pouco
      maior do que um volume de atlas, livro para uso das crianças, e que era uma
      espécie  de  catecismo  resumido;  servia-se  dele  para  me  ensinar  as  letras  do
      alfabeto e dava-me a interpretação das palavras.
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