Page 130 - As Viagens de Gulliver
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fosse admitida ao seu serviço, continuando como minha aia e professora. Sua
Majestade acedeu ao meu pedido e, também, obteve facilmente o consentimento
do fazendeiro, que se sentia lisonjeado por ter uma filha na corte; e, quanto à
rapariga, mal cabia em si de contente. E com isto o meu amo se retirou,
despedindo-se de mim, dizendo que me deixava em boas mãos, ao que eu não
respondi com uma única palavra, curvando-me apenas ligeiramente.
A rainha notou a minha frieza e, quando o fazendeiro saiu da sala,
perguntou-me qual a razão disso. Tomei a liberdade de dizer a Sua Majestade que
não devia nenhuma obrigação ao meu antigo amo senão a de ter poupado a vida
a uma inofensiva criatura, encontrada no campo por acaso, no que fora
amplamente recompensado pelo ganho que obtivera mostrando-me a meio reino
e pelo preço por que me vendera agora; que a vida que tinha levado desde então
fora suficientemente dura para matar um animal dez vezes mais forte que eu;
que a minha saúde se encontrava bastante abalada pela contínua escravidão de
entreter a ralé a cada hora do dia, e que, se o meu amo não pensasse que a
minha vida corria perigo, Sua Majestade nunca me teria comprado por tão baixo
preço. Mas, como não receava quaisquer maus tratos sob a protecção de
imperatriz tão nobre e caridosa, o ornamento da Natureza, o anjo do mundo, o
encanto dos seus súbditos, o Fénix da Criação, esperava que as apreensões do
meu antigo amo se mostrassem sem fundamento, pois já me sentia reviver
interiormente, só pela influência da sua augusta presença.
Tal foi a súmula do meu discurso, proferido com muitos barbarismos e
hesitações, e cuja última parte foi totalmente composta no estilo peculiar deste
povo, que aprendi com Glumdalclitch, quando esta me levava a caminho da
corte.