Page 132 - As Viagens de Gulliver
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recolhido na sua câmara. Sua Majestade, um príncipe muito circunspecto e de
semblante austero, não me distinguindo bem ao primeiro relance de olhos,
perguntou à rainha, secamente, desde quando ela se afeiçoara por um splarknuck,
pois, pelos vistos, me tomou por tal, ao ver-me estendido, de barriga para baixo,
na sua mão direita. Porém, a rainha, com muita graciosidade e boa disposição,
colocou-me delicadamente de pé sobre a secretária, ordenando-me que contasse
a minha história a Sua Majestade, o que eu fiz em muito poucas palavras; e
Glumdalclitch, que ficara à porta do aposento e não suportava ter-me longe da
vista, ao ser admitida, confirmou tudo o que se passara desde a minha chegada a
casa de seu pai.
O rei, apesar de ser uma pessoa tão culta que, nos seus domínios, ninguém
lhe levava a palma, tendo feito estudos e filosofia e sendo particularmente forte
no capítulo das matemáticas, não obstante, quando observou de perto o meu
aspecto e atitudes, antes de me ouvir falar, pensou que eu pudesse ser um
maquinismo de relojoaria (que neste país atingiu uma grande perfeição),
inventado por algum artista engenhoso. Mas, quando ouviu a minha voz e
descobriu haver nexo e raciocínio naquilo que eu dizia, não pôde ocultar o seu
espanto. Porém, não ficou nada convencido com o que lhe contei sobre a
maneira como vim parar a este país, pensando antes que se tratava tudo de uma
história concertada entre Glumdalclitch e seu pai, que me teriam ensinado uma
série de palavras, para me conseguirem vender a um preço mais elevado. Sob
esta impressão, fez-me várias outras perguntas, recebendo sempre respostas
racionais, que pecavam apenas pelo seu sotaque estrangeiro e um imperfeito
conhecimento da língua, juntamente com algumas frases rústicas, que eu
aprendera em casa do fazendeiro e que não se adequavam à elegância de estilo
usada na corte.