Page 116 - As Viagens de Gulliver
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saíra para tratar dos serviços da casa e tinha-me deixado fechado. A cama ficava
      à  altura  de  quatro  toesas  do  chão;  contudo,  certas  necessidades  naturais
      forçavam-me a descer, e não me atrevi a chamar; embora o tentasse, seria em
      vão, pois uma voz como a minha, e estando a tão grande distância, como a que
      havia do quarto em que eu estava, à cozinha, onde se encontrava a família, não
      era fácil de ouvir.

















          Entretanto,  dois  ratos  treparam  ao  longo  dos  cortinados  e  desataram  a
      correr pela cama; um aproximou-se da minha cara e tão assustado fiquei, que
      me  levantei  logo  empunhando  um  sabre  para  me  defender.  Estes  terríveis
      animais tiveram a insolência de me atacar por dois lados, mas furei a barriga de
      um, enquanto o outro fugiu. Após esse feito, deitei-me para descansar um pouco
      e  tornar  a  mim.  Estes  animais  eram  do  tamanho  de  um  cão  de  fila,  mas
      infinitamente  mais  ágeis  e  mais  ferozes,  de  maneira  que,  se  tivesse  tirado  o
      cinturão  e  posto  debaixo  de  mim  antes  de  me  deitar,  teria  sido  infalivelmente
      devorado pelos ratos.
          Pouco  depois,  a  minha  ama  entrou  no  quarto  e,  vendo-me  cheio  de
      sangue,  pegou  em  mim.  Apontei-lhe  o  rato  morto,  sorrindo  e  fazendo  outros
      sinais, dando-lhe a entender que não estava ferido, o que lhe causou certa alegria.
      Tentei fazer-lhe compreender que desejava muito ir para o chão, o que ela fez,
      mas o acanhamento não me permitiu exprimir de outra maneira, que não fosse
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