Page 112 - As Viagens de Gulliver
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Fiz-lhe uma reverência muito humilde e, fazendo uso do meu garfo e da
      minha faca, comecei a comer, o que lhes causou grande satisfação. A dona da
      casa mandou a criada buscar um pequeno cálice que tinha capacidade para dez
      canadas; depois, encheu-o de um líquido. Ergui o cálice com grande dificuldade
      e, com um modo muito respeitoso, bebi à saúde dela, exprimindo-me em inglês o
      mais  alto  que  me  foi  possível,  o  que  fez  com  que  os  assistentes  dessem  tão
      grandes gargalhadas que quase fiquei surdo. Este líquido tinha um pouco o sabor
      da cidra e não era desagradável. O lavrador fez-me sinal para que me colocasse
      ao  lado  do  seu  prato  de  madeira;  mas,  caminhando  muito  depressa,  tropecei
      numa côdea de pão e caí de bruços, sem que, contudo, me magoasse. Levantei-
      me logo, notando que aquela boa gente estava muito contristada, agarrei o meu
      chapéu  e,  fazendo-o  voltear  sobre  a  cabeça  umas  poucas  de  vezes,  soltei  três
      vivas para provar que não tinha sofrido dano algum; ao encaminhar-me, porém,
      para o meu amo, (este é o nome que doravante lhe vou dar), o filho mais novo,
      que  estava  sentado  mais  perto  dele,  e  que  era  maldoso,  tendo  pouco  mais  ou
      menos dez anos, agarrou-me pelas pernas e levantou-me a tamanha altura, que
      todo eu estremeci. O pai livrou-me das suas mãos e ao mesmo tempo assobiou-
      lhe  com  tanta  força  o  ouvido  esquerdo,  que  seria  capaz  de  deitar  abaixo  um
      regimento  de  cavalaria  européia,  e  mandou-o  sair  da  mesa;  temendo,  porém,
      que o pequeno me ficasse com zanga, pois sei bem o que são rapazes, sempre
      maus e prontos a fazer perversidades a aves, a gatos, a cães e a coelhos, lancei-
      me  de  joelhos  e  pedi  instantemente  ao  pai,  indicando-lhe  o  filho,  que  o
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