Page 109 - As Viagens de Gulliver
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O lavrador pegou em um pedacinho de palha quase da grossura de uma
bengala de uso comum, e com essa palhinha ergueu as abas do meu casaco,
tomando-as, pelo que me pareceu, por uma espécie de cobertura com que a
Natureza me dotara; soprou os cabelos para melhor me ver o rosto; chamou os
criados, perguntou-lhes, segundo supus, se já alguma vez tinham visto algum
animal parecido comigo. Depois, colocou-me com a máxima cautela no chão
com as quatro patas, mas eu me levantei logo e caminhei com gravidade, de um
lado para o outro, para dar a entender que não tinha em mente fugir. Sentaram-se
todos em volta de mim, para melhor examinar os meus movimentos. Tirei o
chapéu e cumprimentei mui submissamente o lavrador, lancei-me a seus pés,
levantei as mãos e a cabeça, e proferi algumas palavras o mais fortemente que
pude. Tirei da algibeira uma bolsa cheia de ouro e apresentei-lha humildemente.
Recebeu-a na palma da mão e chegou-a muito perto dos olhos para ver o que era
e em seguida virou-a e revirou-a com a ponta de um alfinete que tirou da manga,
mas nada percebeu. Nisto, fiz-lhe sinal para que pusesse a mão no chão e,
tomando a bolsa, abri-a e espalhei todas as moedas de ouro na sua mão. Tinha
seis moedas espanholas de quatro pistolas cada uma, sem contar umas trinta
moedas menores. Vi-o molhar o dedo mínimo na língua e levantar uma das
moedas maiores e logo outra; pareceu-me, porém, ignorar completamente o que
era; indiquei-lhe que as tornasse a guardar na bolsa e que a metesse na minha
algibeira.