Page 187 - As Viagens de Gulliver
P. 187

descobertas nos campos da arte ou natureza, preferia mil vezes perder metade do
       seu reino a ser possuidor de tal segredo, ordenando-me que, se tivesse algum
               apreço pela vida, nunca mais o mencionasse.




















          Estranho resultado este, de “princípios estreitos” e vistas curtas! Que um
      príncipe possuindo todas as qualidades que levam à veneração, amor e estima, de
       tão boa índole, grande sabedoria e profundo conhecimento, admiravelmente
       talentoso na arte de governar e quase um deus para os seus súbditos, possa, por
      um delicado escrúpulo, como na Europa não podemos conceber, deixar escapar
      uma oportunidade assim, que o tornaria o senhor absoluto das vidas, liberdades e
        destinos do seu povo! Não digo isto de modo nenhum com a intenção de
       depreciar as virtudes deste excelente rei, cujo carácter receio que seja, em
       virtude disto, diminuído na opinião do leitor inglês, mas suponho resultar este
       efeito, entre eles, da sua ignorância, em não terem até então transformado a
      política numa ciência, como o fizeram os espíritos mais sagazes da Europa. Pois
      tenho bem presente uma conversa que tive um dia com o rei, em que, por acaso,
        lhe disse haver entre nós vários milhares de livros escritos sobre a arte de
      governar, o que lhe deu (exatamente ao contrário do que eu pretendia) uma ideia
       muito medíocre das nossas inteligências. Declarou ter abominação e desprezo
       por todo o mistério, subtileza, e intriga, tanto num príncipe como num ministro.
   182   183   184   185   186   187   188   189   190   191   192