Page 19 - As Viagens de Gulliver
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chão as estacas que prendiam à terra o meu braço direito, porque, soerguendo-
me um pouco, dera por que me tinham preso e cativo. Ao mesmo tempo, com
um forte repelão, que me causou extrema dor, alarguei um pouco os cordões que
prendiam os meus cabelos do lado direito, (cordões mais finos do que os meus
próprios cabelos) de modo que me encontrei em condições de dar à cabeça um
movimento mais livre.
Então, aqueles insetos humanos puseram-se em fuga, soltando
agudíssimos gritos. Assim que cessou aquele ruído, ouvi um deles exclamar:
Fogo fonac, e, em seguida, senti a mão cravada de mais de cem flechas, que me
picavam como se fossem agulhas. Deram depois nova descarga para o ar, assim
como nós na Europa atiramos bombas, e, ainda que não as visse, é de supor que
algumas caíssem parabolicamente sobre o meu corpo e sobre minha cara, que
eu diligenciava tapar com a mão direita. Assim que terminou aquela granizada
de flechas, tentei novamente libertar-me; mas uma outra descarga, maior do que
a primeira, se fez ouvir, enquanto outros tentavam ferir-me às lançadas; por
felicidade, trazia vestida uma impenetrável roupa de pele de búfalo. Pensei que o
melhor era conservar-me quieto e naquela posição até à noite; nesse instante,
libertando o meu braço esquerdo, poderia pôr-me completamente em liberdade,
e, com respeito aos habitantes, era com razão que me supunha de uma força
igual aos mais poderosos exércitos que viessem atacar-me, desde que seus
componentes fossem do tamanho daqueles que vira até então. Outra, porém, era
a sorte que me aguardava.