Page 24 - As Viagens de Gulliver
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No dia seguinte, ao romper do sol, continuámos a nossa rota e chegámos
ao meio-dia a cem toesas das portas da cidade. O imperador e toda a corte
saíram para nos ver; mas os oficiais não consentiram que Sua Majestade
arriscasse a sua pessoa em subir para o meu corpo, como muitos outros o haviam
feito.
No sítio em que o carro parou, havia um antigo templo, tido como o maior
de todo o império, que, segundo o preconceito daquela gente, fora profanado
com um crime de homicídio, e, por esse motivo, era empregado para diversos
usos. Ficou resolvido que eu ficaria alojado naquele vasto edifício. A porta
grande, que dava para o norte, tinha aproximadamente seis palmos de altura e
quase três de largura; aos lados, havia uma pequena janela de seis polegadas. À
da esquerda, os serralheiros do imperador aplicaram noventa e uma correntes,
parecidas com as que as damas da Europa costumam usar nos relógios, e quase
tão grossas; e com trinta e seis cadeados me prenderam a perna esquerda. Em
frente do templo, do outro lado da estrada, à distância de vinte pés, havia uma
torre que devia ter uns cinco pés de altura; era aí que o soberano devia subir com
muitos dos principais senhores da sua corte para, comodamente, ver-me à sua
vontade. Conta-se que mais de cem mil habitantes saíram da cidade, atraídos
pela curiosidade, e, apesar dos meus guardas, não foram menos de dez mil,
suponho eu, os que, por diversas vezes, subiriam com escadas acima do meu
corpo, se se não publicasse um decreto do conselho do Estado proibindo que tal
coisa se fizesse.
Não é possível imaginar-se o barulho e o espanto do povo, quando me viu
de pé e a caminhar: as correntes que me prendiam o pé esquerdo tinham pouco
mais ou menos seis pés de comprido, e davam-me liberdade de ir e vir,
descrevendo um semicírculo.