Page 67 - As Viagens de Gulliver
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Têm, neste império, certas leis e costumes muito singulares, que, se não
fossem tão opostos aos do meu querido país, teria a tentação de os justificar. Só é
de desejar que na prática correspondam à teoria. Mencionarei, primeiro, o que
diz respeito aos denunciantes. Todos os crimes contra o Estado são punidos aqui
com a maior das severidades. Porém, se o acusado consegue, em julgamento,
demonstrar a sua inocência, o acusador é logo sujeito a morte infamante e os
seus bens confiscados para indemnização do inocente, que se vê largamente
recompensado do tempo perdido, do perigo que correu, das privações sofridas na
prisão e de tudo o que gastou para constituir a sua defesa. Caso esses bens sejam
insuficientes, a coroa supre generosamente a diferença. O imperador confere-
lhe também publicamente sinais do seu favor e a sua inocência é proclamada por
toda a cidade.
Consideram a fraude um crime ainda mais grave que o roubo e que só
raramente não é castigado com a morte. Alegam eles que, com cuidado,
vigilância e uma inteligência comum, os bens de uma pessoa podem
salvaguardar-se dos ladrões; mas que a honestidade não tem defesa possível
perante uma astúcia superior. Assim, uma vez que são necessárias permanentes
relações de compra e venda e o negócio a crédito, onde a fraude é permitida ou
ignorada, sem que exista uma lei a pôr-lhe cobro, o negociante honesto fica
sempre a perder, enquanto o patife leva a melhor.