Page 70 - As Viagens de Gulliver
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Pensam que a ausência de virtudes morais não pode ser recompensada
pelas superiores capacidades do intelecto e que até seria perigoso entregar certos
cargos a pessoas só assim qualificadas. Por último, dizem eles, os erros
cometidos por ignorância, mas com boa intenção, nunca são tão nefastos ao bem
público como as acções praticadas por um homem cujas inclinações o levam à
corrupção e dispondo de capacidades para manobrar, multiplicar e encobrir as
suas desonestidades.
Da mesma maneira, a descrença de uma providência divina incapacita
qualquer pessoa a ocupar um cargo público, pois, desde que os reis se
reconhecem como os delegados da Providência, então os Liliputianos pensam
que nada há de mais absurdo que um príncipe empregar tais homens, que negam
a autoridade sob a qual ele age.
Ao apontar estas leis e as que se seguem, entenda-se que apenas me
refiro às instituições originais, e não às mais escandalosas corrupções em que
este povo caiu, pela degenerada natureza do homem. Pois, quanto àquelas
vergonhosas práticas de adquirir altos cargos dançando sobre cordas, ou faixas de
favor e distinção saltando bastões e rastejando sob eles, há a saber que elas
foram introduzidas pelo avô do imperador reinante, atingindo-se a situação
presente devido ao crescimento gradual do espírito partidário.
A ingratidão é entre eles um crime sujeito à pena capital, como sucedia
noutros países antigamente, que justificam do seguinte modo: aquele que retribui
ao seu benfeitor com o mal, tem de ser, necessariamente, inimigo do resto da
humanidade, à qual não deve favores; portanto, tal homem não deve continuar a
viver.
As suas concepções relativas aos deveres entre pais e filhos diferem
extremamente das nossas. Uma vez que a união entre macho e fêmea se