Page 75 - As Viagens de Gulliver
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fazemos com a perna de um passarinho. Os seus gansos e perus comia-os
normalmente de uma só vez, e devo confessar que eram de longe bem melhores
que os nossos. As outras aves de capoeira mais pequenas espetava-as na ponta da
minha faca às vinte e trinta de cada vez.
Um dia, Sua Majestade Imperial, informado de como eu vivia, fez-me
saber que seria para ele uma felicidade (como entendeu exprimir-se) jantar
comigo, juntamente com a sua real consorte e os jovens príncipes de sangue de
ambos os sexos. Vieram, como combinado, e coloquei-os em cadeirões em cima
da mesa, mesmo na minha frente, rodeados pelos seus guardas. Flimnap, o
tesoureiro-mor, também estava presente, com o seu bastão branco. Reparei que
ele me olhava com expressão pouco amigável, mas fingi não perceber, pondo-
me a comer mais do que o costume, em honra do meu querido país e para os
encher de admiração. Tenho certas razões para acreditar que esta visita de Sua
Majestade deu a Flimnap uma oportunidade para me prejudicar aos olhos do seu
senhor. Este ministro foi sempre meu secreto inimigo, apesar de exteriormente se
mostrar mais afável comigo do que seria natural, dado o seu mau humor. Expôs
ao imperador o estado em que se encontrava o Tesouro, segundo ele bastante
reduzido; que se via forçado a levantar dinheiro com um grande desconto; que as
notas do Tesouro circulavam com uma desvalorização de 9%; que eu já custara a
Sua Majestade para cima de um milhão e meio de sprugs (a sua maior moeda de
ouro, aproximadamente do tamanho de uma lantejoula); e que, em resumo, seria
aconselhável o imperador aproveitar a melhor ocasião para se desfazer de mim.