Page 73 - As Viagens de Gulliver
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Nos infantários femininos, as jovens filhas de nobres são educadas de
forma muito semelhante aos rapazes, só que são vestidas por criadas, mas
sempre na presença de um professor ou ajudante, até aos cinco anos, idade em
que passam a vestir-se sozinhas. E, caso venha a descobrir-se que estas aias se
atreveram a entreter as meninas com histórias imbecis ou de terror, ou com os
disparates vulgares praticados pelas criadas de quarto entre nós, elas são
açoitadas publicamente três vezes, encarceradas durante um ano e banidas para
sempre, para as regiões mais desoladas do país. Assim, as jovens cultivam aí um
sentimento de vergonha tão grande como o dos homens, de passar por cobardes
ou tolas, desprezando todos os ornamentos pessoais para lá do decoro e asseio.
Não notei grandes diferenças na educação entre ambos os sexos, apenas que os
exercícios físicos das meninas não são tão rudes, sendo-lhes incutidos, em
contrapartida, princípios básicos da vida doméstica, simultaneamente com
ensinamentos de cultura geral, pois é sua máxima que, entre gente da sociedade,
a boa esposa deve ser sempre uma companheira interessante e agradável,
porque não se é eternamente jovem. Quando as meninas atingem a idade de
casar, ou seja aos doze anos, os seus pais ou encarregados de educação vêm-nas
buscar, despedindo-se com grandes manifestações de gratidão para com os
professores e lágrimas da jovem menina e suas companheiras.
Nos infantários femininos de categoria inferior, as crianças são instruídas
em todos os géneros de trabalhos próprios ao seu sexo e condição, saindo aos sete
anos aquelas destinadas a aprendizas, enquanto as outras continuam até aos onze.
As famílias de condição inferior que têm crianças nestes infantários são
obrigadas, além da pensão anual, que é tão baixa quanto possível, a entregar
mensalmente ao ecónomo do infantário uma pequena parte dos seus ganhos, que
constituirá um dote para a criança. Há, por esta razão, uma lei que limita as
despesas de todos os pais, pois os Liliputianos pensam que nada há de mais injusto
que pessoas, na subserviência de todos os seus apetites, ponham as crianças neste
mundo e abandonem aos outros o encargo de as sustentar. Quanto aos nobres,
eles garantem a posse de determinada quantia, reservada para cada filho,
adequada à sua condição. E todos estes fundos são sempre bem administrados,
segundo a justiça mais rigorosa.
Os camponeses e jornaleiros conservam os seus filhos em casa, pois,
sendo a sua função apenas lavrar e cultivar a terra, a sua educação não traria
mais benefícios para a comunidade. Mas, em contrapartida, os velhos e doentes
de entre eles são sustentados pelos hospitais, pelo que a mendicidade é uma
ocupação desconhecida neste império.
E, nesta altura da minha descrição, é talvez possível recrear o leitor