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sar disso, a jovem, que é graduada e pós-graduada, recebia o
                                                                  menor salário entre todos os funcionários.
                                                                       Camila acredita que a realidade atual da mulher negra
                                                                  está marcada, não apenas pelo racismo implícito e explícito,
                                                                  mas também entrecortada pelo machismo, pela crença ilusória
                                                                  na meritocracia e pelo pensamento aristocrático. “A mulher
                                                                  negra é a base, e o homem branco é o topo na pirâmide, mu-
                                                                  lheres brancas e homens negros no centro dessa economia, ou
                                                                  seja, os piores salários do Brasil estão nas mãos das mulheres
                                                                  negras, fazendo com que as mesmas fiquem vulneráveis a situ-
                                                                  ações constrangedoras, promovidas pela branquitude racista
                                                                  de nosso país, isso tudo, quando a mulher negra consegue en-
                                                                  trar nesse mercado de trabalho”, disse.
                                                                       Gira a roda. Outro triste relato não aparece no vídeo
                                                                  de Camila. Ele foi experienciado por Vanessa Gomes, enfer-
                                                                  meira e doula, e ocorreu quando sua primeira filha nasceu. Na
                                                                  ocasião, segundo contou Vanessa, uma professora universitá-
                                                                  ria, enfermeira e do sexo feminino, ao perceber que a jovem
                                                                  não amamentou sua filha, fez uma afirmação retórica absurda.
                                                                  “Mas como você não conseguiu amamentar, não eram as ne-
                                                                  gras as amas de leite?”. A reação de Vanessa foi a mesma rela-
                                                                  tada pela maioria das mulheres ouvidas para essa matéria: “Me
                                                                  feriu a alma, mas não consegui argumentar, só chorei”.
                                                                       “Me feriu a falta de empatia, por ter vindo de outra
                                                                  mulher, e sendo ela branca, me fez pensar o quanto as ne-
                                                                  gras amas de leite no passado sofreram com o fato de não
                                                                  poder amamentar seus filhos, por ter que fazer isso com fi-
            Vanessa Gomes                                         lhos das mulheres brancas. Como esse padrão de exigência

                                                                  da mulher negra se repete em pleno século 21”, afirmou.
            tado por Sobonfu em “O espírito da intimidade” enquanto    O racismo, porém, não deixa apenas marcas psicoló-
            responsável por “nosso sentido de identidade, nosso pé no   gicas nas mulheres pretas. Ele ceifa vidas e é um dos fatores
            chão e nossa habilidade de apoiar e nutrir aos outros”.  que explica a triste realidade descortinada pela pandemia
                  Para a Revista Mulheres, Camila revelou a intenção   do novo coronavírus: a mortalidade materna em mulheres
            dos vídeos feitos por meio de aplicativos de celular: apre-  pretas devido à COVID-19 foi quase duas vezes maior que
            sentar, “por meio de depoimentos tão reais e sinceros”,   a observada em mulheres brancas, conforme explica a pro-
            que “não suportamos mais ser tratados como cachorros   fessora PhD da Universidade Estadual de Campinas (Uni-
            sem donos  e copos descartáveis”.  Entre os depoimen-  camp), Débora Santos. Isso teria acontecido segundo ela,
            tos “reais e sinceros”, a jovem contou um fato ocorrido   devido a processos originados fora dos hospitais.
            durante um processo seletivo. Ao final, foi aprovada nos   No artigo “O impacto desproporcional da COVID-19
            testes, mas durante a seleção, observou comportamentos   entre mulheres pretas grávidas e puérperas no Brasil atra-
            absolutamente racistas por parte da responsável pelo re-  vés da lente estrutural”, foi constatado que as mulheres
            crutamento. “Ela tratava as meninas de um jeito diferente.   pretas  apresentaram  perfil  médio  de  idade  e  morbidade
            Com elas, era sorridente, agradava com palavras, dizia ‘fi-  semelhante às mulheres brancas, mas foram hospitalizadas
            que à vontade’, ‘aceita uma água, um café?’. O rosto sem-  em piores condições (maior prevalência de dispnéia e baixa
            pre inclinado para todas as nove candidatas, exceto para   saturação de O2), apresentaram maior taxa de admissão na
            mim”, disse. “Ao olhar na minha direção, eu percebia um   UTI, ventilação mecânica e óbito. “As barreiras ao acesso à
            olhar de frieza, ironia e sarcasmo”, revela. Antes de iniciar   terapia intensiva parecem ter um papel importante no alto
            os testes, a moça perguntou: “Esse curso que você fez de   número  de  mortes  maternas  relacionadas  ao  COVID-19
            secretariado não é o superior não, né? Deve ser o técni-  no país”, explicou a pesquisa publicada na Oxford Acade-
            co”. Detalhe: a resposta estava no próprio currículo. Isso   mic e conduzida por Débora em conjunto com outros sete
            sem falar que a mesma pergunta não foi feita a nenhuma   pesquisadores. O estudo analisou a planilha de domínio
            das demais candidatas. Já no local de trabalho, a lista de   público do Sistema de Informação de Vigilância da Gripe
            tarefas que desempenhava era tão extensa que ocuparia   (SIVEP Gripe) do Ministério da Saúde, utilizado pela vigi-
            metade desta página, deixando cansadas as leitoras. Ape-  lância epidemiológica das instâncias estaduais e municipais



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