Page 176 - Fernando Pessoa
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LIVRO  DO  DESASSOSSEGO

          todos os dizem porque o crêem. Outros (...) Para todos  eles
          os  vencidos do mundo, porque quem sejam são gente.

              E  todos  como enguias num  alguidar,  se  enrolam  entre
          eles e se cruzam uns acima dos outros e nem saem dos algui-
          dares. Às vezes falam deles os jornais [...] mas a fama nunca.
              Esses são os felizes  porque lhes é  dado o sonho  [...] da
          estupidez.  Mas  aos que,  como eu,  têm  sonhos  sem  ilusões
          (...)






              Quem quisesse fazer um catálogo  de monstros,  não te-
          ria  mais que fotografar em palavras aquelas coisas que a noite
          traz às  almas  sonolentas  que não conseguem  dormir.  Essas
          coisas têm  toda a  incoerência  do  sonho  sem  a  desculpa  in-
          cógnita de se estar dormindo.  Pairam  como  morcegos  sobre
          a passividade da alma, ou vampiros que suguem o sangue da
          submissão.


              São larvas do declive e do desperdício, sombras que en-
          chem o vale, vestígios que ficam do destino.  Umas vezes são
          vermes, nauseantes à própria alma que os afaga e cria; outras
          vezes são espectros, e rondam sinistramente coisa nenhuma;
          outras vezes ainda, emergem, cobras, dos recôncavos absur-
          dos das emoções perdidas.

              Lastro  do  falso,  não  servem  senão  para  que  não  sirva-
          mos.  São  dúvidas  do  abismo,  deitadas  na  alma,  arrastando
          dobras  sonolentas e  frias.  Duram  fumos,  passam  rastros,  e
          não há mais que o haverem  sido na substância estéril de ter
          tido consciência deles. Um ou outro é como uma peça íntima
          de  fogo  de  artifício:  faísca-se  um  tempo  entre  sonhos,  e  o
          resto é a inconsciência da consciência com que o vimos.
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