Page 268 - Fernando Pessoa
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LIVRO  DO  DESASSOSSEGO

           céu para que o causes, ou estranha lua  submarina  para  que,
           não sei como, o finjas.
                Quem pudesse criar o Novo Olhar com  que te visse, os
           Novos Pensamentos e Sentimentos que houvessem de te po-
           der pensar e sentir!
                Ao  querer  tocar  no  teu  manto  as  minhas  expressões
           cansam o esforço estendido  dos  gestos  de  suas  mãos,  e  um
           cansaço  rígido e doloroso  gela-se  nas  minhas  palavras.  Por
           isso, curva [?] um vôo de ave que parece que se  aproxima e
           nunca chega, em torno ao que eu quereria dizer de ti, mas a
           matéria das minhas frases não sabe imitar a substância ou do
           som dos teus passos, ou do rasto dos teus olhares, ou da cor
           triste e vazia da curva dos gestos que não fizeste nunca.





                                     Final

                E se acaso falo com alguém longínquo, e se, hoje nuvem
            de possível, amanhã caíres, chuva de  real sobre a terra,  não
            te  esqueças  nunca  da tua  divindade original  de  sonho  meu.
            Sê sempre na vida aquilo que possa ser o sonho de um isolado
            e nunca o abrigo de um  amoroso.  Fazê o teu  dever de  mera
            taça. Cumpre o teu mister de ânfora inútil.  Ninguém diga de
           ti o  que  o  rio  pode  dizer  das  margens,  que  existem  para  o
            limitar.  Antes  não  correr  na  vida,  antes  secar  de  sonhar.
                Que o teu gênio seja o ser supérflua, e a tua  vida a arte
            de olhares para ela, de seres a olhada, a nunca idêntica. Não
            sejas nunca mais nada.
                Hoje é apenas o perfil criado deste livro, uma  hora  car-
            nalizada e separada das outras horas.  Se eu tivesse a certeza
            de  que  o  eras,  ergueria  uma  religião  sobre  o  (sonho  de)
            amar-te.
                És o que falta a tudo.  És o que a  cada coisa falta para a
            podermos amar sempre.  Chave  perdida  das portas do  Tem-
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