Page 271 - Fernando Pessoa
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FERNANDO  PESSOA

                        tocracia é nunca tocar.  Não se aproximar —  eis o que é  fi-
                        dalgo.




                            Todo o homem de hoje, em quem a estatura moral e o
                        relevo  intelectual  não  sejam  de  pigmeu  ou  de  charro,  ama,
                        quando ama,  com o amor  romântico.  O  amor  romântico é
                        um  produto  extremo  de  séculos  sobre  séculos  de  influência
                        cristã; e,  tanto quanto à sua substância,  como  quanto à  se-
                        qüência do seu desenvolvimento,  pode ser dado a conhecer a
                        quem não o perceba comparando-o com uma veste, ou traje,
                        que a alma ou a imaginação fabriquem para com ele vestir as
                        criaturas,  que  acaso  apareçam,  e  o  espírito  ache  que  lhes
                        cabe.
                            Mas todo o traje, como não é eterno, dura tanto quanto
                        dura; e em breve, sob a veste do ideal que formamos, que se
                        esfacela,  surge o  corpo  real  da  pessoa humana,  em  quem  o
                        vestimos.
                            O amor romântico, portanto, é um caminho de desilu-
                        são. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o princípio,
                        decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente,
                        nas oficinas da alma,  novos trajes,  com  que constantemente
                        se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.




                            Dois,  três  dias  de  semelhança  de  princípio  de  amor...

                            Tudo isto vale para o esteta pelas sensações que lhe cau-
                        sa.  Avançar seria entrar  no domínio onde  começa o ciúme,
                        o  sofrimento,  a excitação.  Nesta  antecâmara  da  emoção  há
                        toda a suavidade do amor sem a sua profundeza —  um  gozo
                        leve, portanto, aroma vago de desejos, se com isso se perde a
                        grandeza que há na tragédia do amor,  repare-se que,  para o
                        esteta, as tragédias são coisas interessantes de observar, mas
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