Page 273 - Fernando Pessoa
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FERNANDO PESSOA
As nossas sensações, ao menos? Ao menos o amor é
um meio de nos possuirmos, a nós, nas nossas sensações?
é, ao menos, um modo de sonharmos nitidamente, e mais
gloriosamente portanto, o sonho de existirmos? e, ao menos,
desaparecida a sensação, fica a memória dela conosco sem-
pre, e assim, realmente possuímos.
Desenganemos até disto. Nós nem as nossas sensações
possuímos. Não fales. A memória, afinal, é a sensação do
passado... E toda a sensação é uma ilusão...
— Escuta-me, escuta-me sempre — Escuta-me e não
olhes pela janela aberta a plana outra margem do rio, nem o
crepúsculo (...), nem esse silvo de um comboio que corta o
longe vago (...) — Escuta-me em silêncio.
Nós não possuímos as nossas sensações... Nós não nos
possuímos nelas.
(Urna inclinada, o crepúsculo verte sobre nós um óleo
de (...) onde as horas, pétalas de rosas, bóiam espaçada-
mente)
Eu não possuo o meu corpo como posso eu possuir com
ele? Eu não possuo a minha alma — como posso possuir com
ela? Não compreendo o meu espírito como através dele com-
preender?
As nossas sensações passam — como possuí-las pois —
ou o que elas mostram muito menos. Possui alguém um rio
que corre, pertence a alguém o vento que passa?