Page 277 - Fernando Pessoa
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FERNANDO  PESSOA
                           O jardim da Estrela, à tarde, é para mim a  sugestão de
                       um parque antigo, nos séculos antes do descontentamento da
                       alma.




                           "Quero-te só para sonho'', dizem à mulher amada, em
                       versos que lhe não enviam, os que não ousam dizer-lhe nada.
                       Este ' 'quero-te só para sonho'' é um verso de um velho poe-
                       ma meu.  Registro a memória com um sorriso, e nem o  sor-
                       riso comento.




                           Em  mim  todas  as  afeições  se  passam  à  superfície,  mas
                       sinceramente.  Tenho  sido  ator  sempre,  e  a  valer.  Sempre
                       que amei, fingi que amei, e para mim mesmo o finjo.




                                             Uma carta

                           Há um vago. número de muitos meses que me vê olhá-
                       la,  olhá-la constantemente,  sempre  com o  mesmo olhar  in-
                      certo e solícito.  Eu sei que tem reparado nisso.  E como tem
                       reparado, deve ter achado estranho que esse olhar, não sendo
                       propriamente  tímido,  nunca  esboçasse  uma  significação.
                       Sempre atento,  vago e o mesmo,  como que contente de  ser
                      só  a  tristeza disso...  Mais  nada...  E  dentro  do  seu  pensar
                      nisso — seja o sentimento qual seja com que tem pensado em
                       mim — deve ter perscrutado as minhas possíveis  intenções.
                       Deve ter explicado a si própria,  sem se satisfazer, que eu sou
                      ou um tímido especial e original, ou uma qualquer espécie de
                      qualquer coisa aparentado com o ser louco.
                           Eu  não  sou,  minha Senhora,  perante o  fato de olhá-la,
                       nem estritamente um tímido,  nem  assentemente  um  louco.
                      Sou outra coisa primeira e diversa,  como,  sem  esperança de
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