Page 279 - Fernando Pessoa
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FERNANDO  PESSOA
                        sar  nisso,  tropeço  em  obstáculos  que  não  vejo,  enredo-me
                        em  teias  que  não  sei  o  que  são.  Que  muito  mais  me  não
                        aconteceria se eu quisesse possuí-la realmente?
                            Que eu  —  repito-lho —  era  incapaz  de o  tentar  fazer.
                        Nem sequer me ajeito a sonhar-me fazendo-o.


                             São estas,  minha Senhora,  as  palavras  que  tenho  a  es-
                        crever  à  margem  da  significação  do  seu  olhar  involuntaria-
                        mente  interrogativo.  É  neste  livro  que,  primeiro,  lera  esta
                        carta para si.  Se não souber que é para si,  resignar-me-ei a
                        que  assim  seja.  Escrevo  mais  para  me entreter  do  que  para
                        lhe dizer qualquer coisa...  Só as cartas comerciais são dirigi-
                        das. Todas as outras devem, pelo menos para o homem supe-
                        rior, ser apenas dele para si próprio.
                             Nada mais tenho a dizer-lhe.  Creia que a admiro tanto
                        quanto posso.  Ser-me-ia agradável  que pensasse em  mim  às
                        vezes.





                             Duas vezes,  naquela minha adolescência  que sinto  lon-
                        gínqua, e que, por assim senti-la, me parece uma  coisa  lida,
                        um relato íntimo que  me  fizessem,  gozei  a dor  da humilha-
                        ção de  amar.  Do  alto de  hoje,  olhando  para  trás,  para  esse
                        passado,  que  já  não  sei  designar  nem como  longínquo  nem
                        como recente, creio que foi bom que essa experiência da desi-
                         lusão me acontecesse tão cedo.
                             Não  foi  nada,  salvo  o  que  passei  comigo.  No  aspecto
                        externo do assunto íntimo,  legiões humanas de homens têm
                         passado pelas mesmas torturas. Mas (...)

                             Cedo demais, obtive, por uma experiência, simultânea e
                        conjunta, da sensibilidade e da inteligência, a noção de que a
                        vida da imaginação, por mórbida que pareça, é contudo aque-
                         la que calha aos temperamentos como é o meu.  As ficções da
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