Page 33 - Fernando Pessoa
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                       vés de tudo o chá perdido  finda,  e o  escritório  vai  fechar...
                       Ergo do livro, que cerro lentamente, olhos cansados do cho-
                       ro que não tiveram, e, numa mistura de sensações,  sofro que
                       ao fechar o escritório  se me  feche o sonho também;  que no
                       gesto de mão com que cerro o livro encubra o passado irrepa-
                       rável; que vá para a cama da vida sem sono, sem companhia
                       nem  sossego,  no  fluxo e  refluxo  da minha  consciência  mis-
                       turada, como duas marés na noite negra, no fim dos destinos
                       da saudade e da desolação.





                           Encaro serenamente,  sem mais nada que o que na alma
                       represente  um  sorriso,  o  fechar-se-me  sempre  a  vida  nesta
                       Rua dos Douradores, neste escritório, nesta  atmosfera desta
                       gente. Ter o que me dê para comer e beber, e onde habite, e
                       o pouco espaço livre no tempo para sonhar, escrever — dor-
                       mir  —  que  mais  posso  eu  pedir  aos  Deuses  ou  esperar  do
                       Destino?

                            Tive grandes ambições e sonhos dilatados —  mas esses
                       também  os  teve  o  moço  de  fretes  ou  a  costureira,  porque
                       sonhos  tem  toda  a  gente:  o  que  nos  diferença é  a  força  de
                       conseguir ou o destino de se conseguir conosco.

                            Em sonhos sou igual ao moço de fretes e à costureira. Só
                       me distingue deles o saber escrever. Sim, é um ato, uma rea-
                       lidade minha que me diferença deles.  Na alma  sou  eu  igual.

                            Bem sei que há ilhas ao Sul e grandes paixões cosmopo-
                       listase (...).


                            Se eu tivesse o mundo na mão, trocava-o,  estou certo,
                       por um bilhete para [a] Rua dos Douradores.
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