Page 31 - Revista Ateísta | 4ª Edição
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31      ANO 2018                             OPINIÃO DE:         Ricardo Silas
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                 Durante  os milênios em  que a  humanidade   por adorarem a deuses diferentes. Os cristãos poderiam
          esteve no escuro, num estado de incapacidade quase   alegar em sua defesa que esse mesmo livro sagrado
          completa de compreender, à luz do escrutínio cético,   também contém mensagens de sabedoria e mansidão:
          os mecanismos ocultos no funcionamento da natureza,   por exemplo, a Regra de Ouro e o princípio de amor
          algumas formas de rituais denominados  “animismo”   ao  próximo. Contudo,  essas mensagens são  também
          desempenharam um importantíssimo papel nesse   encontradas em profusão nos princípios  budistas,
          processo. Nas sociedades primitivas, os animistas   confucianos e  zoroastristas, religiões que, inclusive,
          enxergavam  em  quase  todos  os  eventos  da  natureza   antecedem o próprio cristianismo.
          algum tipo de intencionalidade ou de volição espiritual:
          trovões, erupções vulcânicas, eclipses e o mistério da      Outro grande problema das religiões é que
          morte começaram a representar, coincidentemente, os   elas adotam a fé como uma virtude e como um critério
          mesmos atributos e sentimentos inerentes a observadores   de validação das nossas crenças; e a fé, por definição,
          humanos. Em meio a sensações psicológicas e orgânicas   admite que afirmações sem nenhuma evidência ou
          tão complexas, nossos ancestrais personificaram   indício  de plausibilidade sejam aceitas  como fatos.
          sentimentos como o ódio, a gratidão, a indiferença, o   Diante da existência de milhares de religiões espalhadas
          castigo e o afeto em seres animados e inanimados para   pelo mundo, cada uma exigindo de seus adeptos uma
          explicar fenômenos que, naquele período, se colocavam   fé diferente, não há como atestar que todas estejam
          além de nossa compreensão. Isso também conferiu às   simultaneamente corretas, pois não faltam exemplos
          religiões, ao longo de milhares de anos, o mérito de   de flagrantes contradições e divergências teológicas
          ser um dos principais fatores de coesão social. Mas,   entre elas. Ou somente uma religião é verdadeira, ou
          conforme afirmou Christopher Hitchens,        todas são falsas. Para acentuar a veracidade da segunda
                                                        tese, o ateísmo precisa desfazer o solipsismo estúpido
                “a religião foi a primeira (e a         que enclausura os crentes em suas próprias certezas,
                 pior) forma de dar sentido à           demonstrando que os motivos que os levam a rejeitar
                                                        os deuses dos outros são os mesmos pelos quais os ateus
          realidade. Foi o melhor que nossa             rejeitam todos os deuses.
              espécie pôde fazer numa época
                                                               Se ateus fossem desafiados a provar a
             em que não tínhamos conceitos                inexistência de algum  deus em  particular, então
           sobre biologia, química e física”.           eles teriam que provar, sob os mesmos critérios, a
                                                        inexistência de divindades gregas, hindus e astecas.
                 Somente com o gradativo preenchimento   Se não podem provar que Poseidon ou Quetzalcóatl
          das lacunas de nossa ignorância pelas descobertas   não existem, essa incapacidade provisória  (e talvez
          científicas, a névoa religiosa começou a se dissipar.  permanente) de oferecer evidências negativas não
                                                        confirma que tais deuses existam. Do mesmo modo, se
                 O mesmo argumento pode ser facilmente   os ateus não conseguem provar que Jeová não existe,
          empregado na crítica aos livros sagrados. Sob a ótica   não há como inferir logicamente que ele exista. É por
          cristã, a Bíblia é a palavra de Deus e a tradução de seus   isso que o ônus da prova está em quem afirma existir
          ensinamentos. Nós, criaturas pecadoras e imundas,   algum Deus, e não em quem nega essa suposição.
          devemos seguir os ditames desse grandioso livro e
          aceitá-lo como uma verdade absoluta e infalível se      Quando não confrontamos os dogmas e
          quisermos alcançar a dádiva da salvação. É no mínimo   mitos cristãos, tarefa que precisa ser levada a cabo
          controverso que os antigos sábios e profetas, dignos do   pelos livres-pensadores, as questões de interesse
          milagroso encargo de escrever a obra mais importante   vital ao bem-estar da humanidade são deixadas nas
          e  influente  do  Universo,  não  tenham  registrado  nada   mãos de pessoas dispostas a deliberar com base em
          genuinamente revolucionário sobre química, medicina   alegações perigosamente irracionais. Quanto aos
          ou física que pudesse servir de parâmetro filosófico e   meios de investigação e interpretação do mundo, a
          científico às futuras gerações. É igualmente inquietante   filosofia e o método científico, com muita frequência,
          que eles, dotados de um cósmico saber moral, não   têm contribuições melhores a fazer. Assim, não restam
          tenham reservado nem uma linha sequer para condenar   subterfúgios para que os livres-pensadores se omitam
          a escravidão. Um livro escrito por homens inspirados   do sincero compromisso de colocar as crenças religiosas
          por Deus e comprometidos com o bem-estar da   em seu devido lugar, o mesmo lugar onde jazem
          humanidade  não  deveria se  preocupar em  instruir   sepultados os milhares de mitos que um dia foram alvo
          fanáticos religiosos a castigar seus escravos, a apedrejar   de nossa reverência e devoção: o de criação fantasiosa
          mulheres até a morte e a destruir povos inteiros apenas   da mente humana.
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