Page 40 - Revista PSIQUE Ciência e Vida
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Dossiê
Compreensão sociocultural Exigências
Da Antiguidade à Idade Média, o casamento, Exigências essa mudança faz novas exigências
logo, as relações de proximidade e intimidade às pessoas em relação ao estudo e ao trabalho e,
entre. Nesse cenário, apesar da família e da Igreja consequentemente, no âmbito das relações afetivas.
exercerem grande interferência na intimidade Nessa nova organização social, o
dos casais, restringindo a vida sexual, tanto dos distanciamento entre o campo e o local de
casados quanto dos solteiros, ao casamento com trabalho favoreceu uma fragilidade nos laços com
objetivo exclusivo da procriação, as relações as famílias e comunidades de origem, emergindo
extraconjugais surgiram como forma de dar novas formas de aproximação entras pessoas
vazão ou espaço ao desejo, à atração sexual e ao O casamento abandona o caráter funcional,
afeto na relação. pragmático e rígido e passa a ser direcionado pela
Observa-se que, originalmente, no casamento afinidade entre as pessoas, pelos sentimentos e
aspectos importantes da relação afetiva, como pelas emoções (Galano, 2006).
amor, atração, afeto, paixão, sexualidade e A emergência do capitalismo e da sociedade
intimidade, não podiam ser vivenciados de burguesa favoreceu, também, a descentralização
forma integrada, necessitando ser destinados a do poder da Igreja e, com isso, diminuiu o alcance
pessoas diferentes e o controle sobre a vida das pessoas, conferindo-
O sexo, permeado de preconceito, vivenciado lhes maior autonomia e liberdade de escolhas
como tabu e de forma reprimida, favorecia Um novo modelo social e relacional é
uma espécie de distinção entre as mulheres na instaurado, e no âmbito das relações afetivas o
sociedade. De um lado, tínhamos as mulheres amor conjugal ganha novos contornos pelo direito
que pertenciam à classe dominante e que lhes de escolha do cônjuge e do consentimento mútuo
cabia o papel de É apenas na Modernidade, embasado
Negação, instabilidade “esposa ideal”, às quais pelas influências da ideologia burguesa, que o
estavam destinados os
casamento assume a dimensão afetiva integrando
emocional, ansiedade, afazeres domésticos, a amor, escolha pessoal e sexo na relação conjugal.
desesperança, sintomas educação dos filhos e Esse modelo de relacionamento trouxe aos
somáticos, pensamentos a prática religiosa. De casais muitas expectativas acerca do amor e da
instrutivos do tipo flashbacks, outro lado, tínhamos felicidade conjugal e familiar.
pesadelos, medo, desmotivação as “prostitutas” ou Baseado no amor romântico, esse modelo
são reações naturais no período a “boa amante” às tinha como premissas: o amor à primeira vista,
o amor eterno, a noção de par complementar, a
quais era permitido o
de assimilação da informação contato sexual mais busca de validação de si no outro, a fidelidade, a
íntimo, sendo vista monogamia e a distinção dos papéis e funções
como um mero objeto de prazer. baseados em gênero. Nesse espaço, homem e
Na década de 1930, a Revolução Industrial mulher assumiam o papel de pai e mãe, marido e
colocou o mundo urbano no centro, surgindo esposa e masculino e feminino (Giddens, 1993)
assim o fenômeno da migração da massa de Apesar de todas as transformações na
trabalhadores para os grandes centros urbanos, conjugalidade, o vivenciar da sexualidade e do
em busca de melhores oportunidades e prazer, por meio do sexo, era algo, basicamente,
condições de vida. dirigido ao homem, dada a sua posição social lhe
Esse fenômeno abriu espaço para duas conceber poder, maior liberdade e trânsito social.
novas classes sociais, os empregadores e os À mulher era restrito o ambiente doméstico e
empregados. As relações de poder, que na religioso, o que dificultava o seu acesso à sociedade.
antiga aristocracia se estabeleciam por meio Logo, esse modelo de amor e sua idealização
da herança, na sociedade burguesa industrial
passam a ser conquistadas, e é a profissão que
confere status e espaço social (Galano, 2006).
Março 2019 - Ano 12 PSIǪUE