Page 41 - Revista PSIQUE Ciência e Vida
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conduziram homens e mulheres a decepções No filme, a relação com o amante grego
decorrentes da quebra de expectativas, trazendo possibilita que Shirley vivencie não somente a
um elemento importante a ser com siderado e satisfação sexual, mas proporciona o contato
que, mais tarde, se torna ria balizador das relações com seu feminino, esmaecido no papel de dona
amorosas: a satisfação de casa perfeita, e possibilita repensar suas
Ao longo do século XX, diversas decisões e escolhas na vida.
transformações foram determinantes para as Nesse contexto, a
mudanças nos papeis de gênero e, logo, para as relação extraconjugal
transformações nos padrões relacionais. permanece cumprindo Passada a fase aguda, a
Nas décadas de 1970 e 1980, a inserção e a um papel integrador elaboração da situação é
participação da mulher na sociedade ganharam à medida que imprescindível e se torna possível
expressão, destacando-se a conquista da possibilita que partes quando o casal apresenta
autonomia e da independência financeira. renunciadas sejam, disponibilidade emocional para
Esses fatores contribuíram para alterar a agora, consideradas, na
hierarquização dos papéis de gênero, no qual forma de se relacionar identificar e compreender os
as relações assumiram uma condição mais consigo mesma e com aspectos que culminaram com os
igualitária, tanto no espaço social quanto no o marido. Em uma de conflitos de lealdade
espaço privado das relações. suas reflexões, Shirley
expressa: “Eu não me
apaixonei por ele. Eu estou me apaixonando
pela ideia de viver”.
Metáfora Na proposta de Carotenuto (1997), Shirley
O filme Shirley Valentine representa uma se deu a chance de ser fiel a si mesma e
metáfora que traduz a mulher e seus de resgatar partes suas renunciadas pela
anseios, na década de 1980, em um cenário dedicação ao outro. •
de repressão sexual, de aprisionamento ao
ambiente doméstico e solidão, na busca por
transformações e vislumbrando ressignificar seu
papel e sua forma de se relacionar afetivamente.
No filme, Shirley, representada por Pauline
Collins, é uma dona de casa aprisionada ao
papel de esposa, mãe e dona de casa exemplar
e submissa ao marido. Joe, representado por
Barnard Hill, é um homem rígido e pouco afetivo.
O casamento vivido por eles é caracterizado
pela falta de atenção, de companheirismo e de
carinho por parte do marido.
Solidão e vazio marcam a vida dessa mulher
de meia-idade, até que o convite de uma
amiga para uma viagem à Grécia leva Shirley a
encontrar novos significados para a vida e para
sua existência.
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PSIǪUE Março 2019 - Ano 12