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Tudo indica que a parábola do taxista se tornará cada vez mais frequente nas ruas do Brasil
        — em novas e ferozes versões. Afinal, não há nada mais ameaçador para o mercado do que

        quem está fora do mercado por convicção. E quem está fora do mercado da fé? Os ateus. É
        possível convencer um católico, um espírita ou um umbandista a mudar de religião. Mas é
        bem mais difícil — quando não impossível — converter um ateu. Para quem não acredita na

        existência de Deus, qualquer produto religioso, seja ele material, como um travesseiro que
        cura doenças, ou subjetivo, como o conforto da vida eterna, não tem qualquer apelo. Seria

        como vender gelo para um esquimó.
          Tenho  muitos  amigos  ateus.  E  eles  me  contam  que  têm  evitado  se  apresentar  dessa
        maneira porque a reação é cada vez mais hostil. Por enquanto, a reação é como a do taxista:

        “Deus me livre!”. Mas percebem que o cerco se aperta e, a qualquer momento, temem que
        alguém possa empunhar um punhado de dentes de alho diante deles ou iniciar um exorcismo

        ali mesmo, no sinal fechado ou na padaria da esquina. Acuados, têm preferido declarar-se
        “agnósticos”. Com sorte, parte dos crentes pode ficar em dúvida e pensar que é alguma igreja
        nova.

          Já conhecia a Bola de Neve (ou “Bola de Neve Church, para os íntimos”, como diz o seu
        site), mas nunca tinha ouvido falar da Novidade de Vida. Busquei o site da igreja na internet.

        Na página de abertura, me deparei com uma preleção intitulada: “O perigo da tolerância”. O
        texto fala sobre as famílias, afirma que Deus não é tolerante e incita os fiéis a não tolerar o
        que  não  venha  de  Deus.  Tolerar  “coisas  erradas”  é  o  mesmo  que  “criar  demônios  de

        estimação”. Entre as muitas frases exemplares, uma se destaca: “Hoje em dia, o mal da
        sociedade tem sido a Tolerância (em negrito e em maiúscula)”. Deus me livre!, um ateu talvez

        tenha vontade de dizer. Mas nem esse conforto lhe resta.
          Ainda  que  o  crescimento  evangélico  no  Brasil  venha  sendo  investigado  tanto  pela
        academia como pelo jornalismo, é pouco para a profundidade das mudanças que tem trazido

        à vida cotidiana do país. As transformações no modo de ser brasileiro talvez sejam maiores
        do que possa parecer à primeira vista. Talvez estejam alterando o “homem cordial” — não
        no sentido estrito conferido por Sérgio Buarque de Holanda, mas no sentido atribuído pelo

        senso comum.
             Me arriscaria a dizer que a liberdade de credo — e, portanto, também de não credo —,
           determinada pela Constituição, está sendo solapada na prática do dia a dia. Não deixa de

        ser curioso que, no século 21, ser ateu volte a ter um conteúdo revolucionário. Mas, depois
             que Sarah Sheeva, uma das filhas de Pepeu Gomes e Baby do Brasil, passou a pastorear

          mulheres virgens — ou com vontade de voltar a ser — em busca de príncipes encantados,
                                                na Igreja Celular Internacional, nada mais me surpreende.

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           Se Deus existe, que nos livre de sermos obrigados a acreditar nele.
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