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igrejas evangélicas que mais crescem. O catolicismo — no mundo contemporâneo, bem
sublinhado — mantém uma relação de tolerância com o ateísmo. Por várias razões. Entre
elas, a de que é possível ser católico — e não praticante. O fato de você não frequentar a
igreja nem pagar o dízimo não chama maior atenção no Brasil católico nem condena ninguém
ao inferno. Outra razão importante é que o catolicismo está disseminado na cultura,
entrelaçado a uma forma de ver o mundo que influencia inclusive os ateus. Ser ateu num
país de maioria católica nunca ameaçou a convivência entre os vizinhos. Ou entre taxistas e
passageiros.
Já com os evangélicos neopentecostais, caso das inúmeras igrejas que se multiplicam, com
nomes cada vez mais criativos, pelas esquinas das grandes e das pequenas cidades, pelos
sertões e pela floresta amazônica, o caso é diferente. E não faço aqui nenhum juízo de valor
sobre a fé católica ou a dos neopentecostais. Cada um tem o direito de professar a fé que
quiser — assim como a sua não fé. Meu interesse é tentar compreender como essa porção
cada vez mais numerosa do país está mudando o modo de ver o mundo e o modo de se
relacionar com a cultura. Está mudando o modo de ser brasileiro.
Por que os ateus são uma ameaça às novas denominações evangélicas? Porque as
neopentecostais — e não falo aqui nenhuma novidade — são constituídas no modo
capitalista. Regidas, portanto, pelas leis de mercado. Por isso, nessas novas igrejas, não há
como ser um evangélico não praticante. É possível, como o taxista exemplifica muito bem,
pular de uma para outra, como um consumidor diante de vitrines que tentam seduzi-lo a
entrar na loja pelo brilho de suas ofertas. Essa dificuldade de “fidelizar um fiel”, ao gerir a
igreja como um modelo de negócio, obriga as neopentecostais a uma disputa de mercado
cada vez mais agressiva e também a buscar fatias ainda inexploradas. É preciso que os fiéis
estejam dentro das igrejas — e elas estão sempre de portas abertas — para consumir um
dos muitos produtos milagrosos, ou para serem consumidos por doações em dinheiro ou em
espécie. O templo é um shopping da fé, com as vantagens e as desvantagens que isso implica.
É também por essa razão que a Igreja Católica, que em períodos de sua longa história atraiu
fiéis com ossos de santos e passes para o céu, vive hoje o dilema de ser ameaçada pela
vulgaridade das relações capitalistas numa fé de mercado. Dilema que procura resolver de
uma maneira bastante esperta, ao manter a salvo a tradição que tem lhe garantido poder e
influência há dois mil anos, mas ao mesmo tempo estimular sua versão de mercado,
encarnada pelos carismáticos. Como uma espécie de vanguarda, que contém o avanço das
tropas “inimigas” lá na frente, sem comprometer a integridade do exército que se mantém
mais atrás, padres pop stars como Marcelo Rossi e movimentos como a Canção Nova têm
sido estratégicos para reduzir a sangria de fiéis para as neopentecostais. Não fosse esse tipo
de abordagem mais agressiva e possivelmente já existiria uma porção ainda maior de
evangélicos no país.