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Por que a imagem da
vagina provoca horror?
Muitos anos atrás, não sei precisar quantos, deparei-me com o quadro A origem do mundo
(L’origine du monde, 1866) e me encantei. Nele, o francês Gustave Courbet pinta uma vagina.
Cheguei a ela desavisada e fui tomada por uma sensação profunda de beleza. Forte o
suficiente para sonhar, deste então, com a compra de uma reprodução, um plano sempre
adiado. Quando passei a trabalhar em casa, há dois anos, desejei ainda mais ter o quadro na
parede do meu escritório, onde reúno tudo aquilo que me apaixona num pequeno universo
perfeito e só meu. No último aniversário, em maio, meu marido me deu a reprodução de
presente. Só na semana passada, porém, o quadro chegou da vidraçaria onde fez escala para
receber moldura. Então, algo inusitado aconteceu.
Ouvi um grito:
— É o fim do mundo!
Eu estava no quarto e saí correndo, alarmada, para ver o que tinha acontecido. Encontrei
Emilia, a mulher que limpa nossa casa uma vez por semana, com o rosto tomado por um
vermelho sanguíneo, diante de A origem do mundo, que, ainda sem lugar na parede, jazia
encostado em um armário.
— É o fim do mundo! — gritava ela, descontrolada. — Nunca pensei ver algo assim na
minha vida! Eliane, que coisa horrível!
Meio atordoada, eu repetia: “Não é o fim do mundo, é o começo!”. E depois, sem saber
mais o que fazer para acalmá-la, me saí com essa estupidez: “É arte!”. Como se, por ser
“arte”, ela tivesse de ter uma reação mais controlada, quando é exatamente o oposto que
se espera. Beirando o desespero, diante do desespero dela que eu não conseguia aplacar,
apelei: “Mas, Emilia, metade da humanidade tem vagina — e a humanidade inteira saiu de
uma vagina (ou poderia ter saído)! Por que você acha feio?”.
O fato é que, para Emilia, era o fim do mundo — e não o começo. Tentei fazer piada, mas
percebi que a perturbação não viraria graça. A questão para ela era séria — e ela só não
pedia demissão porque trabalha há 12 anos lá em casa e temos um vínculo forte. Naquele