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Olhar para essa imagem causa um estranhamento, especialmente porque a posição,
deitada de costas, é muito mais íntima da mulher do que do homem. O pênis, no caso, se
oferece ereto ao olhar, mas a partir de um corpo na horizontal, entregue. É instigante, desde
que a provocação não seja reduzida a um feminismo indigente, banalizado pela crença pueril
do “a mulher gera a vida, o homem a morte”. A intenção de Orlan, segundo Roudinesco, era
bem mais refinada. Ela “pretendia desmascarar o que a pintura dissimulava, realizando uma
fusão da ‘coisa’ irrepresentável com seu fetiche negado”. Reivindicava então a “imprecisão
do gênero e da identidade” que marca o nosso tempo, anunciando, por sua vez: “Sou um
homem e uma mulher”.
O que se pode afirmar é que Courbet revelou o que está sempre coberto, oculto,
escondido. No Carnaval brasileiro, como lembra a psicanalista Maria Cristina Poli em um
artigo bem interessante sobre o feminino, tudo é exposto — e até superexposto — do corpo
da mulher, menos a vagina. Mas a força do quadro não está só no “mostrar”. Há algo de
incapturável e único na forma como Courbet mostrou o “imostrável”, já que a transposição
da imagem para a fotografia não causa o mesmo efeito. E o que é? Não sei.
A vagina pintada por Courbet é peluda como não vemos mais nos dias de hoje. A depilação
quase total do sexo feminino tornou-se um popular produto de exportação do Brasil. Tanto
que virou um dos significados da palavra Brazilian no renomado Dicionário Oxford: “Estilo
de depilação no qual quase todos os pelos pubianos da mulher são retirados, permanecendo
apenas uma pequena faixa central”. Pelo visto, a partir dos trópicos supostamente liberados
e sexualizados, a vagina depilada virou um clássico contemporâneo. Este é um ponto
interessante. Ao primeiro olhar, a extração dos pelos serviria para revelar mais a vagina, mas
me parece que esse é mais um daqueles casos, bem pródigos na nossa época, em que se
mostra para ocultar — a superexposição que ofusca e cega. A vagina sem pelos é uma vagina
flagelada — e arrancar os pelos com cera é mesmo um flagelo. É também uma vagina
infantilizada pela força. E é ainda uma vagina esterilizada, já que vale a pena lembrar que no
passado recente essa depilação agressiva só acontecia nos hospitais para, supostamente,
facilitar o parto. “Se não depilo totalmente, me sinto suja”, disse-me uma amiga. Suja?
Em janeiro de 2000, a atriz Vera Fischer exibiu sua vagina peluda em um ensaio fotográfico
da revista Playboy. Causou furor. Falou-se na “Mata Atlântica”, na “Amazônia”, na “selva”
onde sempre é perigoso penetrar. Havia algo de poderoso e incontrolável na vagina em
estado “natural” de Vera Fischer, e a polêmica se fez. Era uma mulher não domesticada ali.
Uma mulher adulta. Não me parece — e nunca saberemos se tenho razão — que, se Courbet
tivesse pintado uma vagina careca, ela teria causado tanto o horror de Emilia quanto o êxtase
em mim.
A vagina pintada por Courbet é uma vagina que revela. Mas o quê? Não sei. A maravilha
da arte é que ela nos transtorna sem a menor intenção de nos dar respostas — muito menos