Page 122 - LIVRO - ENCONTRO DE RIO E MAR_160x230mm
P. 122

Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização

               lidade à notícia pela mídia. Entre as reportagens, ressalta-se a entrevista
               com o atual presidente da CODESA, que desenvolve, a partir da expansão
               do Portocel, a criação de um complexo portuário que tornaria o Espírito
               Santo referência mundial sem fazer qualquer ressalva a respeito de danos
               ambientais e sociais, como a desapropriação e reapropriação privada de
               terras e territórios marítimos. Há, também, falas positivas do governador
               do estado a respeito da criação do complexo portuário, e até mesmo uma
               matéria ressaltando a posição assertiva do presidente da República em re-
               lação à expansão do Portocel, demonstrando como é importante a fala po-
               sitiva de uma autoridade da esfera pública para a reprodução da ideologia
               proposta. Por fim, é assustadora a ausência de informações a respeito dos
               danos ambientais que serão causados a partir da ampliação do Portocel.
               Nenhuma das matérias direcionadas à ampliação do porto tratam dos
               laudos requeridos pelo IEMA, nem da consulta pública realizada com in-
               tuito de discutir o planejamento do projeto junto à comunidade e, entre
               outras coisas, os eventuais danos ao ambiente geográfico e geopolítico.

               A evidência de uma agenda jornalística que inclui grandes projetos de
               desenvolvimento exclusivamente no caderno econômico comprova a ne-
               cessidade de um jornalismo contra-hegemônico que não se apoie na tra-
               dição da neutralidade e objetividade. Retomando Bourdieu (1997), a expe-
               riência de romper com a tradição jornalística de neutralidade no campo
               jornalístico reescreve, inclusive, as características do campo jornalístico.
               Como evidencia Dornelles (2008), a importância de um jornalismo que
               atue em conjunto com a comunidade existe principalmente por conta de
               uma comunicação menos objetiva dos fatos e mais focada na construção
               de processos sociais e na relação dos grupos ali presentes. Esse tipo de
               jornalismo, além de humanizar as relações decorrentes do fato, também
               desconstrói a tradição da neutralidade, uma vez que esta é usada como
               máscara das grandes corporações para operarem o controle informacio-
               nal sobre a sociedade sem serem rechaçadas (ou sequer percebidas). Dor-
               nelles defende que essa forma de jornalismo, o jornalismo-cívico, seja
               também  um  jornalismo  militante  que  desafie  as  noções  hegemônicas
               propostas pelas grandes corporações midiáticas. Posição esta que dialoga
               com a seguinte afirmação de Bittencourt:

                       Cabe então aos intérpretes críticos da teoria da comunicação que





                                               120
   117   118   119   120   121   122   123   124   125   126   127