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CRÔNICA
Cinema e Literatura
Jayme Paviani
Primeiro surgiram o canto, o teatro, a O cinema pode inspirar escritores a
dança, a poesia e a pintura. Mais tarde empregarem uma linguagem cinema-
surgiu o romance, depois a fotografia e, tográfica. Poucas vezes um filme e uma
finalmente, o cinema. Hoje, a literatura é obra literária conseguem um alto grau
palavra livre, criativa. O cinema é ima- de expressão. Temos os exemplos de
gem em movimento. Há, obviamente, O Nome da Rosa, O Quatrilho, Vidas
uma linguagem literária e uma lingua- Secas. Trata-se de expressões artísticas
gem cinematográfica. Cada uma dessas diferentes.
linguagens possui uma riqueza de de- É preciso usar os elementos visuais
talhes. A literatura exige a imaginação e auditivos da linguagem do filme
do leitor. O cinema exige especialmente para alcançar a expressão através da
a percepção visual e auditiva. Existem montagem, do jogo espaço e tempo.
obras literárias e cinematográficas de Elementos visuais: personagem/ator; ce-
qualidade artística e obras mais simples, nário, iluminação, cor, planos, ângulos
de entretimento e não propriamente de (profundidade de campo, perspectiva),
expressão da mente humana. Afinal, enquadramentos. Elementos auditivos:
arte pode existir para divertir e também som, diálogo e música. Montagem é
para denunciar. central no filme. O cinema é arte de
As relações entre cinema e literatura combinação e organização dos elemen-
seguem dois movimentos, o de apro- tos. A seleção dos elementos, das cenas,
ximação e o de afastamento. Alguns dos cortes, o agrupamento dos planos,
elementos aparentemente comuns são a duração, as ações, enfim os aspectos
na realidade bastante diferentes. Por sintáticos e semânticos.
exemplo, no texto literário existe uma fi- O poema é elaborado em versos que
gura por trás dele, às vezes, um narrador devem possuir ritmo, musicalidade e
em primeira pessoa, um eu marcado, exprimir sentimentos e pensamentos.
outras vezes, só encontramos uma voz O romance mostra as ações de perso-
desconhecida, uma voz que pertence ao nagens em conflito, numa linguagem
texto. No cinema, na maioria dos filmes elaborada. As personagens movi-
não tem um narrador explícito ou possui mentam-se no enredo. Elas podem
em diversos casos um narrador-protago- ser inventadas, reproduzir figuras
nista que faz interferências, que se dirige reais ou representar o exterior ou o
ao público. interior das pessoas. Também podem
O narrador pode se confundir com o ser históricas.
autor ou o realizador. Entretanto, para A literatura mostra sem demonstrar.
aprofundar a questão do narrador, de- Há gêneros de textos literários: ro-
vem ser levados outros aspectos. O filme mance, novela, ode, elegia, soneto.
é resultado de um trabalho coletivo, o Há gêneros de filmes: históricos, fic-
livro de um trabalho individual. No filme ção, faroeste, policiais, dramáticos,
a narração é visual e no romance ela é trágicos, cômicos. Porém tudo isso
imaginada. A personagem do filme é depende da criatividade do cinema
vista, em geral, em seu agir externo. No e da literatura. Além disso, a arte é
texto, a personagem pode adquirir uma invenção capaz de dizer a realidade
maior profundidade. É o caso das obras de modo notável como a ciência, a
de Machado de Assis. religião, o mito.
Mas, a literatura é fonte privilegia-
da de argumentos cinematográficos. jpaviani@hotmail.com
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