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FRAGMENTA HISTORICA                                        Raimundo da Cunha Matos,
                                                         um português viajando pelo Sertão do Brasil

           e outros permanecem sob a guarda das       Ferreira, 2000; Klein, 1978).
           paróquias locais.                          Faltam estudos sobre a ocupação territorial,
           Os registros cartoriais permanecem onde    particularmente  sobre  a  posse  de  terras  e
           foram produzidos, sem tratamento e sem     posterior regularização das propriedades
           organização, o que entrava os estudos      –  processo  iniciado  após  a  Lei  de  Terras  de
           históricos sobre a administração fundiária, dos   1850  (Motta,  1998;  2006;  2006a;  2011),
           negócios de compra e venda de terrenos e de   regulamentada  em  1854,  que  dificultou  os
           transmissão de bens familiares. Os fóruns das   modos de apropriação da terra. “As exigências
           cidades do interior guardam uma quantidade   para a legalização das posses eram de tal
           considerável de processos crimes, testamentos   natureza  que  os pequenos proprietários
           e inventários, documentos igualmente sem   ficaram  automaticamente  excluídos  dos
           organização. Manuseá-los foi uma empreitada   benefícios  da  lei”.  A  complexidade  da
           que demandou mais de ano. A racionalização   ordenação jurídica prejudicou aqueles a quem
           da memória do século XIX naquela região    deveria  ter  beneficiado.  “Em  1865  constava
           significa,  como  bem  escreveu  Marc  Bloch,   que 4/5 do solo estavam nas mãos dos grandes
           “negligência” e “paixão pelo sigilo” (1997: 85).  proprietários. O Governo detinha apenas 1/5,
           Somada à desorganização dos arquivos,      e  essa  quinta  parte  era  constituída  de  terras
           as  dificuldades  de  acesso  desanimam  os   afastadas do curso de água, das estradas, do
           estudiosos do período. Em razão disso são   litoral ou dos centros de população e, às vezes,
           poucos os estudos sobre a região Norte de   expostas aos ataques dos índios” (Costa E.,
           Goiás do século XIX. A fundação do estado   2001: 171).
           do Tocantins (1988) tornou-se o ato oficial de   Contudo, a digitalização de uma massa
           criação do novo, marco inaugural que vem   documental impressionante  e disponível
           tematizando  os  estudos  históricos  da  região.   para consulta  on-line nas bibliotecas do
           O esquecimento do passado, uma fuga da     Brasil e Portugal permite estudos sobre as
           história, garantiria um discurso modernizante   regiões  centrais  do  país.  Aspectos  históricos
           sem as amarras de um passado de atraso e   desconhecidos  vêm  à  luz;  a  historiografia
           pobreza. O resultado desses anseios reflete-se   confronta-se com documentos inéditos, que
           na carência de estudos transversais, à luz dos   suscitam novos temas e revisões de abordagens
           realizados sobre a formação das famílias na   tradicionais sobre os habitantes, o meio físico,
           América portuguesa e no Brasil do século XIX   a economia e a cultura dos homens e mulheres
           (Bacelar, 2001; Costa I., 1992; Eisenberg, 1987;   desbravadores do sertão.



























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