Page 190 - 4
P. 190
FRAGMENTA HISTORICA Raimundo da Cunha Matos,
um português viajando pelo Sertão do Brasil
solicitar empréstimos e sem poder bancar os à inoperância dos homens de governo. O
pagamentos dos mesmos. Em razão de tal “efeito” de administração e o “exercício
situação, os administradores pouco podiam cotidiano do poder” chegavam às comarcas e
16
realizar em prol das comarcas, distritos e materializavam o poder do Estado por meio de
termos. ofícios publicados em jornais.
Os jornais da província de Goiás publicavam Passava-se do pessimismo à euforia na mesma
estudos e relatórios de viajantes, projetos velocidade das publicações periódicas, para
15
realizados por engenheiros e técnicos, de em seguida caírem no esquecimento geral. A
acordo com os quais se traçavam planos e publicidade dos projetos vinha acompanhada
projetos de aproveitamento dos rios onde do entusiasmo dos articulistas que
eram navegáveis e onde se fazia necessário referendavam os efeitos da escrita. A propósito
construir canais, estradas de ferro e portos. de um projeto acerca das potencialidades dos
Alardeados nos periódicos da região e rios Araguaia e Tocantins, o visionário articulista
da corte, esses estudos acabavam sendo do jornal construiu com palavras a “maior rede
esquecidos e substituídos por outros também de comunicação da América do Sul”, capaz de
não executados. Tratava-se de “projetos”, “rivalizar” e quiçá superar as comunicações
um risco de água naquela realidade, que desenvolvidas na América do Norte, nos
não passavam de escrituras representativas vales do Mississipi e Missouri. Poucas eram
17
de desejos futurísticos. Ideações de as ponderações sobre a materialidade do
envergadura que alimentavam os devaneios de espaço, das tecnologias disponíveis, dos
“desenvolvimento”, “riqueza” “prosperidade”, recursos financeiros e humanos que tais
desejos realizados e difundidos pela projetos requeriam. O desejo de prosperidade
“tecnologia escritural” (Hespanha, 1986: 42). obscurecia a realidade econômica e financeira e
Tais registros, escritos e difundidos pelos mostrava o contraste entre empreendimentos
jornais, criavam um efeito de realização, e o meio que pretendiam subverter. “Esses
o bastante para alimentar as expectativas contrastes, que levaram à falência homens
18
de ação, e tornavam-se mais relevantes do do porte de um barão de Mauá e casas de
que a realidade das análises das condições comércio do porte de Souto de Souto, situam
materiais de produção dos projetos traçados. o choque entre audácia de alguns pioneiros e a
Seus autores eram movidos pelo desejo de resistência de uma estrutura econômica ainda
encontrar as potencialidades da região, de precária, viscerada dos descompassos a que a
vencer os entraves postos pela natureza e 16 Para Hespanha, administração “é uma prática
pela falta de recursos monetários somados corporizada em coisas”, como o espaço, os equipamentos
e processos administrativos, as estruturas humanas da
das Assembleias Provinciais, as quais, absorvidas em administração, o saber administrativo, a mentalidade
assuntos maiores, políticos e parlamentares pouco administrativa. “Na verdade, a atividade administrativa
cuidam tais minuciosidades” (Visconde de Uruguai, não se esgota numa série de regulamentos ou numa
1865: 63) constelação de cargos, decorrentes da vontade
15 As viagens científicas e administrativas empreendidas arbitrária do poder” (Hespanha, 1986: 39).
através do território brasileiro acentuaram-se a partir 17 Em 1932, as expectativas continuavam embasadas no
de 1808. Nessa centúria havia uma profusão de relatos mesmo pilar: “resolvido este problema do transporte,
de viagens publicados em livros e jornais, cartas e virá imediatamente o da colonização. Sem vias de
panfletos, narrativas, cuja intenção era dar a conhecer escoamento fácil para a produção é inútil cogitar-se
ao mundo “civilizado”, o exotismo dos usos e costumes de colonizar qualquer território”. [...] “Goyaz terá um
das terras exploradas e de áreas ainda por explorar. futuro grandioso; mas este depende exclusivamente
Entre os viajantes, Abreu ressalta a proeminência do de se facilitar a circulação do sangue da produção pelas
barão de Eschwege, seguido mais tarde por Agassiz, largas artérias dos seus grandes rios” (Informação
Hartt e Derbi e Martius, considerando em “plano Goyana, 1920: 11).
inferior” as obras de Saint-Hilaire. “Dentre todos avulta 18 Irineu Evangelista de Sousa (1813–1889), conhecido
por seu espírito genial Carlos Hartt, a quem se deve a como o Barão de Mauá, entrou para a história do Brasil
primeira Geografia física do Brasil, a inauguração da Império como um visionário do capitalismo industrial
Arqueologia brasileira, estudos das línguas indígenas” do século XIX (Cf. Caldeira, 1995 (histórico-biográfico); e
(Abreu, 2003: 34). Alencastro, 2000 (estudo do comércio e comerciantes)).
190