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Rita de Cássia Guimarães Melo                                 FRAGMENTA HISTORICA


           um “produto” potencial que a representasse       (Lenharo, 1993: 23 e 26).
           para si mesma e externamente, a exemplo do   Em contrapartida, a concepção de economia de
           açúcar, do café e do algodão, alhures, cegou os   subsistência como fator de “atraso” econômico
           homens daquele tempo, que transformaram o   não  se  justifica  em  outras  regiões  do  Brasil.
           que  existia  de  atividade  produtiva  em  tábula   Na região Centro-Sul, a corte foi abastecida
           rasa (Pratt, 1999; Lima, 1999).            pelos gêneros produzidos pela agricultura de
           A economia de subsistência cumpria a       subsistência, que
           função essencial, “quando não exclusiva”, do     ocupou um espaço vital no crescimento
           sistema de  produção, que  era “assegurar a      das forças produtivas da região, apoiada
           subsistência  dos  indivíduos  que  compõem      na exportação do seu excedente
           uma  comunidade,  coletividade”.  O  fato  de    para o consumo da corte. [...] Ao se
           o sistema de produção estar voltado para a       referir à economia de subsistência
           subsistência não explica como ele cumpria        em  geral,  a  historiografia  sempre
           efetivamente a função de produzir e alimentar    a tem relegado a um plano apenas
           homens e mulheres, moradores das vilas e         subsidiário da economia de exportação,
                                                            constituindo,  portanto,  apenas,  um
           arraiais envolvidos naquele sistema. Como        polo complementar à economia de
           ele funcionava? Os produtos da terra, como       exportação (Lenharo, 1993: 26).
           a mandioca, por exemplo, requer pouca
           dedicação e resulta numa fraca relação entre   Os registros dos presidentes e engenheiros
           tempo,  trabalho  e  produtividade  para  além   nomeados pelo governo imperial são
           das necessidades tradicionais. Os estudiosos   representativos  dos  valores  econômicos
           das regiões “remotas” recorrem à economia de   sociais que presidiram o século XIX. Buscava-se
           subsistência como  um  exemplo  clássico  para   compreender e explicar a realidade histórica de
           explicar e justificar a “pobreza” das províncias,   então à luz de princípios e modelos de análise
           quando não responsabilizam os habitantes   abstratos ou pouco aplicáveis àquela realidade.
           pela  escassez e  demais “mazelas” da vida   É  bastante  elucidativa  a  sobeja  produção
           cultural, política e social.               de  ideias  em  detrimento  de  ações  efetivas
                Quase   sempre  a  economia  de       voltadas apara a melhoria da agricultura
                subsistência é vista como caracterizada   no Brasil. Iglesias resume essa situação a
                por baixa produtividade e rentabilidade;   propósito da criação tardia, em 1860, da pasta
                comumente é caracterizada como        da Agricultura, Comercio e Obras Públicas.
                uma economia de natureza fechada            [...] o fato é digno de nota: país que tinha
                e  tendente  à  autossuficiência.  As       na agricultura o fundamento exclusivo
                formas de trabalho nela empregadas          de sua riqueza e desenvolvimento, não
                tendem a diferenciá-la da economia          se preocupava muito com o tema, não
                de   exportação:   nesta   utiliza-se       atendo  sequer  repartição  encarregada
                extensivamente o trabalho escravo;          de  seus  assuntos.  Afinal  ela  é  criada,
                naquela é mais comum o emprego de           embora tenha funcionamento precário,
                formas não escravistas de trabalho          por falta de técnicos capazes de
                                                            acioná-la.  O  país  não  tinha  o  gosto
           riqueza”. Dessa teoria infere-se “uma atribuição de   pelas novidades, não desenvolvia o
           não  história para o desempenho  da economia de   ensino ou o estudo de matérias mais
           subsistência”, de acordo com análise de Lenharo. Celso   técnicas, por seus graves preconceitos
           Furtado foi ainda mais rígido na aplicação do modelo   contra  o  trabalho  manual,  típicos  de
           de Simonsen: “Furtado atribui, na crise da mineração,   sociedade fundada na escravidão; para
           a formação de um encadeamento de etapas – quebra   o brasileiro convencional, informado
           da  produção,  atrofiamento  da  economia  monetária   de valores retóricos, estudo era só o
           e  descapitalização  –,  que  somente  estancariam  na   de humanidades ou leis, para formar o
           economia de subsistência, de ‘baixíssima produtividade’.
           Endossam estas observações a decadência das cidades,   letrado ou o bacharel, origem de quase
           a dispersão da população e a involução geral da   toda a vida pública (Iglesias, 1994: 98).
           economia” (Lenharo, 1993: 27).


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