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FRAGMENTA HISTORICA                     Uma linhagem, duas Casas: em torno dos Ataídes e
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                                                                               (séculos XV‐XVI)
           Jorge de Ataíde, D. Isabel da Silva de Ataíde e   decidiu, já depois de assegurada a sucessão
           D. Brites da Silva.                        na Casa de Atouguia, partir para Castela para
           Possivelmente na sequência da concretização   tomar  novos  votos  eclesiásticos  e  não  mais
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           do seu primeiro casamento, D. João de Ataíde   voltar, foi D. João II quem o fez regressar .
           recusara a oferta de D. João II para ser regedor   Como bem relembra Maria de Lurdes Rosa,
           da Casa da Suplicação, por falecimento de   D. João de Ataíde, a par com a infanta D.
           Fernão da Silva , “sendo dom Ioam homem    Joana, parece ter sido uma referência moral
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           mancebo”, acrescentando o cronista Garcia de   numa corte saturada de palacianismo  e de
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           Resende, que o conheceu pessoalmente, que   uma moda europeia, com expressão também
           “apertando elRey com elle muytas vezes que o   em  Portugal,  de  “retiro  de  corte”  e  titulares
           fosse, nunca o quis aceitar” . D. João de Ataíde   devotos em final de vida . Nesse sentido se
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           apenas aceitou a nomeação, em 1487, para, no   compreendem os versos dedicados a D. João
           ataque a Anafé, ser sucessor do comandante   por Garcia de Resende :
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           indigitado pelo rei, D. Diogo Fernandes de
           Almeida, caso este falecesse , existindo ainda   “Para que se algum cuide
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           notícia de que teria combatido em Arzila, em   de vãa gloria, se ha tem,
           data incerta, com D. João de Meneses, futuro   Lembre lhe que vimos bem
           1º conde de Tarouca e sucessor de Almeida no   a frey Ioam Datayde
           Priorado do Crato .                        mais humilde que ninguem:
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           Apesar dos contactos que realizou em favor   que viueo tam sanctamente,
           da Casa propiciados pelos casamentos, por   que era julgado da gente
           imposição de seus pais, e recusando sempre   sendo cortesam por sancto:
           interceder por quem quer que fosse, D. João   fez se frade, foy o tanto
           de  Ataíde  permaneceu  fiel  à  sua  decisão  de   que fez milagre euidente.
           seguir vida religiosa e, mesmo casado, era
           conhecido por parecer mais frade do que    Deixou Conde Datouguia,
           homem  casado  e  com  filhos . A sua opção   e não quis ser Regedor,
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           justifica  ainda  diversos  milagres  que  lhe  são   deixou rendas, fidalguia,
           atribuídos, bem como o facto de ter sido o   honras, priuança, valia,
           único capaz de consolar D. João II, aquando   por seruir nosso Senhor;
           do falecimento do príncipe herdeiro D. Afonso   e quem bem quiser olhar,
           (v. 1475-1491) ,  uma  vez  que  “El  Rey  D.   he muyto pouco deixar
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           João II que era grande venerador da virtude,   por Deos quãto ca se alcãça,
           o estimava com particulares honras, & muyto   pois a bem auenturança
           estreyta  familiaridade” .  Quando  o  fidalgo   com isso pode alcançar”.
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           Atouguia – Divisão das Casas de Atouguia e Castanheira   Sendo  não  raras  vezes  característico  da
           (Séculos XV-XVI).                          nobreza,  o  conflito  entre  pai  e  filho,  a
           258   Cf.  Affonso  de  Dornellas,  Op. Cit., vol. I, p. 117;
           História Genealógica, tomo XII, parte I, p. 13.
           259  Cf. Garcia de Resende, Op. Cit., cap. CLXXVIII, p. 253.
           260  Cf. Rui de Pina, Op. Cit., cap. XXVII.
           261  Cf. Frei Jerónimo Belém, Chronica Serafica da Santa   265  Escrevendo aos Reis Católicos a solicitar o seu
           Provincia dos Algarves, Lisboa, Mosteiro de S. Vicente   regresso. Cf. Ibidem.
           de Fora, 1753, parte II, livro VI, cap. XXV  266  Cf. Maria de Lurdes Rosa, “Entre a corte e o ermo…”,
           262  Cf. Fernando da Soledade, Op. Cit., parte IV, livro I,   p. 94.
           cap. XVII.                                 267  Cf. Joaquim Romero Magalhães, “A Sociedade” in
           263  Proferindo a célebre frase: “Console-se V. Magestade   História  de Portugal. No Alvorecer da  Modernidade
           com a vontade de Deos, que tudo faz por melhor”. Cf.   (1480-1620),  vol.  III,  direcção  de  José  Mattoso  e
           Frei Jerónimo Belém, Op. Cit., livro VI, cap. XXV, p. 89.  coordenação de Joaquim Romero de Magalhães, s.d.,
           264  Cf. Fernando da Soledade, Op. Cit., parte IV, livro I,   Círculo de Leitores, 1993, p. 493.
           cap. XVII, p. 58.                          268  Cf. Garcia de Resende, Op. Cit., p. 364.


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