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30 Março, 2018
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     “Em Lisboa as pessoas são de pedra.


     Em Damasco são de areia.”



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     Maria Beatriz Raposo  Damasco. Sabe-se que Leen estuda   dão, é um silêncio de sombras”,
     mbraposo@gazetacaldas.com  engenharia, embora ser jornalista   dizia. E noutra vez em que Ana lhe               Beatriz Raposo
                        seja o seu verdadeiro sonho. Só que   disse que em Lisboa as pessoas
     Ana não sabia que era possível duas   ser jornalista num país em guer-  pareciam sempre mal encaradas,
     pessoas serem amigas sem nunca   ra e sem liberdade é perigoso, por   como se fossem de pedra, Leen
     se terem visto pessoalmente. Até   isso os pais obrigaram-na a desis-  respondeu-lhe que em Damasco
     ter conhecido Leen na nuvem da   tir dessa ideia. Enquanto Ana pas-  era diferente: “aqui as pessoas
     Internet e com ela ter trocado as   sa muito tempo na rua, Leen quase   são de areia, aparecem e desa-
     primeiras mensagens.  “Afinal, o   nunca sai de casa. Às 19h00, todos   parecem com o vento”.
     que é um amigo? Não são pes-  os estabelecimentos já estão fecha-  Leen também não tinha Facebook
     soas a quem confiamos as nossas   dos em Damasco. “Quase só saio   e explicou à sua amiga porquê. É
     palavras?”, questionava-se. Nesta   para ir às aulas na faculdade e no   que no seu país já tinha havido
     lógica, ela e Leen eram amigas, pois   Inverno tenho que sair com três   gente a desaparecer depois de ter
     partilhavam histórias e sentimentos   casacos vestidos porque não te-  feito uma publicação ou ter pos-
     através de e-mails. Mais: eram duas   mos aquecimento”, conta a síria,   to um like nas redes sociais. “Eu
     amigas cuja ligação ficaria gravada   dando conta que só tem oito horas   estou farta de tomar partidos,
     para sempre na “cloud” – esse es-  de electricidade por dia e, por isso,   por isso apaguei a minha con-
     paço da Internet que guarda toda   nem sempre pode estar conectada   ta”, contava.
     a nossa informação (documentos,   à Internet para responder a Ana.  A troca de e-mails ainda durou al-
     fotografias, mensagens).               gum tempo, mas houve um dia em
     A amizade de Ana e Leen é con-  “AS BOMBAS DEIXAM O   que Leen deixou de responder. Ana
     tada na voz de Ana Sofia Paiva, a   SILÊNCIO NAS CIDADES”  questionou-se: “será que aqueles
     actriz que desempenha nesta peça      e-mails tinham mais significado
     a personagem de contadora de es-  Embora estivessem separadas por   do que aquelas palavras?”. Com   “Cartas de Damasco” estreou no CCB há cerca de um ano e passou pelo CCC no mês de Março
     tórias. Mais do que um monólogo,   mais de 5.500 quilómetros e vives-  muitas perguntas, mas sem nenhu-
     o espectáculo é pautado também   sem em dois continentes diferen-  ma resposta, restou a Ana a espe-  “LEEN ERA POUCO DIRECTA   temunho”, disse. A síria aceitou,   Orlando Ribeiro, em Lisboa, no
     por vários momentos musicais (al-  tes, Ana e Leen sentiam que não   rança de encontrar-se um dia com   NAQUILO QUE DIZIA”  só que surpreendeu Ana Lázaro   próximo dia 28 de Abril.
     guns deles ao vivo, pela guitarra   eram pessoas assim tão diferen-  Leen na Antártida, o lugar onde   pois foi sempre pouco directa   Ana Lázaro é natural de Leiria, li-
     de Vasco Ribeiro) e projecções em   tes. As brincadeiras de infância ti-  as duas amigas tinham combinado   Ana Lázaro contou também que o   nas descrições que lhe enviou:   cenciada em Teatro pela Escola
     vídeo. Uma combinação a três que   nham sido praticamente as mes-  ver-se pela primeira vez.  primeiro contacto com Leen Rihawi   “era muito metafórica e poéti-  Superior de Teatro e Cinema de
     enche os olhos do espectador, que   mas e ambas gostavam de gatos   Questionada pela  Gazeta das   não aconteceu pela Internet, mas   ca naquilo que dizia, tanto que   Lisboa. Trabalha como actriz em
     chega mesmo a ser convidado a   e de neve. Eram as circunstâncias   Caldas, a autora Ana Lázaro ex-  sim em Barcelona, há cinco anos,   a construção do espectáculo os-  teatro e televisão, em paralelo com
     participar através da leitura de al-  que as afastavam.  plicou que a Antártida foi o local   num encontro de escritores.   cilou muito porque perdi bastan-  a sua actividade de dramaturga e
     gumas cartas que foram trocadas   Leen falava muito sobre o seu   que encontrou para simbolizar “o   “Uns dias depois, começaram   te tempo a descodificar aquelas   encenadora. Foi distinguida em
     entre as duas jovens. Tudo isto   passado, pouco sobre o seu dia-  espaço em branco, onde aquelas   a chegar muitas notícias que   mensagens”.  2013 com o prémio literário “Sea of
     acontece num ambiente de gran-  -a-dia actual. Mas um dia contou   jovens pudessem escrever um fu-  davam conta da intensificação   “Cartas de Damasco” inclui, por   Words” (Barcelona), em 2014 com
     de proximidade entre o público e   a Ana que estavam a cair bombas   turo novo sem as agruras da guer-  da guerra na Síria e eu escrevi   isso, bastantes partes de ficção,   o prémio FNAC Novos Talentos da
     um cenário que chama a atenção   na zona onde morava. “As bom-  ra”. Isto porque a Antártida é o úni-  à Leen, perguntei-lhe se estava   “até para protecção da própria   Literatura, e o ano passado com o
     pelos imensos aviões de papel que   bas deixam um silêncio nas cida-  co continente do mundo no qual os   bem e se aceitava escrever-me   Leen”, acrescentou Ana Lázaro.   prémio literário Maria Rosa Colaço,
     preenchem o chão e o tecto.  des, mas não é como o silêncio da   países se uniram apenas para fazer   regularmente para depois fazer   A peça subirá agora ao palco do   dedicado à literatura infantil, com
     Ana vive em Lisboa. Leen em   neve. Não é um silêncio de algo-  exploração científica.   uma peça inspirada no seu tes-  auditório da Biblioteca Municipal   a obra “Pescadores de nuvens”.
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