Page 32 - Jornal Gueto 2017
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SISTAS NO RAP  todos os dias nesta sociedade que só nos sabe   Mulher, Raça e Classe   dam conhecer a sua condição histórica e racial,

 mandar a baixo. Muita coisa para mandar cá                para resistirem à colonização do pensamento
            por Angela Davis.
 p´ra fora. Muita luta nossa.                              feminista ocidental.
 À pouco tempo comecei a ver a grande im-
 Outra coisa que ouço muito, são manas a                   Para as negras e para os negros que queiram
 portância do rap nas nossas vidas. Comecei a
 mandar outras manas a baixo. E isso, a meu   Publicado em 1982 por Angela Ivonne Da-  conhecer sobre as experiências políticas vivi-
 prestar atenção na sua mensagem, na sua in-
 ver, entre outras coisas, é muito lixo sonoro   vis, “Woman, Race & Class” é um clássico na   das por mulheres negras norte-americanas,
 tervenção, na forma como o podemos usar na
 que estão ouvir do lado dos manos, muitas ar-  lista de livros de leitura recomendada na con-  recomendamos a leitura nesta tradução livre
 nossa luta, e não só. E cada vez mais sigo e
 madilhas que a sociedade faz para nós, e que   strução do pensamento negro. Nascida a 26 de   disponível no site da plataforma.
 presto atenção a esta arte e forma de inter-
 muitas continuam a cair. Muitos anos de ouvir   janeiro de 1944 em Alabama, Angela estudou
 venção, aos seus artistas e suas intervenções.
 a sociedade a dizer que as mulheres são isto,   literatura francesa em Nova York, foi aluna de
 E pouco a pouco fui entendendo as suas pala-
 que as mulheres são aquilo, que as mulheres   Adorno e Negt na Alemanha e estudou ain-
 vras, a sua história, as suas lutas. Com algumas           Ser Mulher. Ser Negra. Ser
 não são unidas. Já pensaram que essa é uma   da em Paris. De regresso aos E.U.A. estudou
 me identificava, com outras nem tanto, com                 Feminista. “Ain´t I a Wom-
 desunião que convém a muita gente?   filosofia. Foi militante do Partido Comunis-
 outras não me identificava de todo. A maioria
 Nenhuma mulher é obrigada a gostar de todas   ta e por isso proibida de dar aulas na facul-  an. Black Woman and Fem-
 eram histórias que eu via, mas não sentia na
 as mulheres, a concordar com o que esta ou   dade. Intensificando a sua ação política An-  inism” de Bell Hooks
 pele, logo, não me identificava.
 aquela mulher fazem, mas nenhuma mulher   gela tornou-se militante dos Black Panthers
 Por isso comecei a procurar manas que
 tem direito de ser opressora. A nossa luta de-  e foi mundialmente conhecida quando entrou
 também estivessem no movimento, manas que
 veria ser contra opressão da mulher, e não faz-  na lista de procurados do F.B.I., acusada de
 estivessem no movimento aqui, em Portugal,
 er parte dessa mesma opressão, independente   fornecer armas num protesto realizado pelos
 alguém com quem eu pudesse me identificar,
 da vossa percepção do que é ser mulher.  Black Panthers ao plenário da Assembleia
 alguém que pudesse ouvir e sentir, “yah, eu sei            Bell  hooks (Gloria  Watkins)  nasceu  em
 Seriamos certamente todas mais fortes se fos-  Legislativa da Califórnia em 1970.  Kentucky  nos Estados  Unidos da  América
 o que é isso”, “concordo com isso”, “não con-
 semos unidas. E não é essa a mensagem que   O livro “Woman, Race & Class” essencial na
 cordo”, tudo o que não ouvia da outra parte, e             numa família com seis filhos (cinco raparigas
 ouço por parte da maioria das sistas no mov-  afirmação do pensamento  negro feminino   e  um  rapaz)  de  educação  sexista.  Escolheu
 precisava ouvir. A procura foi grande, os re-
 imento.    projeta as mulheres negras na história política
 sultados nem por isso.                                     para si o nome bell hooks em memória à sua
 Vou seguindo o trabalho de todas as manas   norte-americana, mostrando que lhes é dev-
 Quantas manas ouvimos nos dias de hoje no                  avó materna e por ser identificada com ela por
 que sei que estão no movimento, porque sinto   ido o movimento dos direitos das mulheres.   ter “resposta na ponta da língua”. Intelectual
 rap? Aqui, em Portugal?
 necessidade de como mulher, dar o meu apoio.   Demonstra-nos como nos dias de hoje nos
 Eu, ouço poucas, pouquíssimas. Pode até ha-                negra, académica, licenciou-se em inglês pela
 O meu entusiasmo vai subindo, devagar, mas   E.U.A. ainda está por alcançar a liberdade das   Universidade de Standford e doutorou-se em
 ver mais, mas onde estão? Eu procurei e não
 vai. Espero vir a surpreender-me, na positiva.   negras e dos negros, embora se assinalem mar-
 encontrei. Portanto devo dizer que a minha   cos como o fim da escravatura, o fim do lin-  literatura  pela  Universidade  de  California
 procura não foi satisfatória.                              Santa Cruz. Já escreveu mais de trinta livros
 Mantenham-se focadas.   chamento ou se celebrem consagrações como   e  com  19  anos  escreveu  o  livro  “Ain’t  I  a
 Das poucas manas que encontrei, e passei
            o direito ao voto, à contraceção, ao aborto e ao
 tempo a ouvir, com poucas me identifiquei.                 Woman”  com  o  objetivo  de  documentar  o
            trabalho assalariado.
 Muitas vezes reconheci a história, das barbari-            impacto  do  sexismo  no  estatuto  social  das
            Se é para nós evidente que a história do povo
 dades que ouço na rua diariamente, mas com a   negro é destorcida e apagada, o livro “Wom-  mulheres negras.
 qual estava longe de me identificar ou mesmo               bell  hooks  mostra-nos  como  é  importante
            an, Race & Class” evidencia-nos que dentro
 concordar. Outras vezes pareceu-me estar a                 para  as  mulheres  negras  terem  voz  na  luta
            da parca produção escrita sobre o povo negro,
 ouvir a palavras que ouvia nos sons dos manos,             contra o sexismo. Por isso afirma no título do
            foi dada pouca atenção à história das mulheres
 cantadas por uma mulher. Só recentemente                   seu livro a voz do discurso de que no século
            negras, com a agravante de se ter reforça-
 foram aparecendo alguns trabalhos com os   do falsos mitos como a tese matriarcal ou a   XIX num encontro onde se discutia o direito
 quais me identificava, que entendia, que con-              ao voto para o povo negro, e se defendia esse
            promiscuidade sexual.
 cordava, que tinha prazer de ouvir. Aos poucos             direito  apenas  para  exercício  dos  homens
            A tradução do livro “Woman, Race & Class”
 vão aparecendo mais manas no movimento, e                  negros,  pois  as  mulheres  eram  vistas  como
            para a língua portuguesa, respondeu à ne-
 acredito que mais aparecerão. Muitas estão                 frágeis e incapazes de descer duma carruagem
            cessidade de desenvolvermos uma prática de
 ainda acanhadas, muitas estão ainda presas   educação  crítica, através da  leitura  de  livros   sozinhas.  Perguntando  repetidamente  “ain’t
 nas back vocals nos sons dos manos. E muitas               I  a  woman”,  Sojourner  Truth  se  disse  ser
            como este, definindo um pensamento resist-
 estão focadas nas cenas erradas.                           uma  mulher  ainda  que  trabalhasse  e  fosse
            ente e uma ética libertadora. A leitura deste
 Nós mulheres temos tanto para falar, tanto                 castigada como um homem e que visse os seus
            livro  é  um  entre  muitos  possíveis  passos  de
 para contar, tantas opressões que enfrentamos              filhos  serem  vendidos  para  serem  escravos.
            serem dados por mulheres negras que preten-
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