Page 4 - Revista Ateísta | 4ª Edição
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bem mais benignos, complacentes e misericordiosos.
Além de muito poderosos! Oniscientes, onipotentes e
onipresentes, perfeitos sob qualquer ângulo. Claro que
mantêm alguns dos defeitos humanos (como a egolatria
e vaidade), mas estas características não parecem
incomodar seus fiéis. E se incomodam, o que se pode
fazer contra algo tão poderoso, além de submeter-se ao
seu domínio?
É neste contexto que o caldo da lógica da oração
desanda!
Problemas lógicos
Para facilitar o entendimento, a partir deste
ponto usaremos como exemplo o deus mais adorado
pelos brasileiros, o cristão. Se assumirmos o que está
dito no livro sagrado do Cristianismo, Ele tudo sabe
(Salmos 147:5; Salmo 139), ele tudo pode (Gênesis 18:14;
Lucas 1:37; Isaías 43:13; Apocalipse 19:6), é perfeito
(Mateus 5:48), é bondoso (Lamentações 3:22; Efésios
2:4) e, não menos importante, estará sempre alerta
para proteger seus filhos (Salmos 121:3). Municiados
destas considerações embasadas nos dogmas cristãos,
podemos continuar.
Onisciência implica conhecimento total sobre
tudo o que é cognoscível ou incognoscível para nós,
incluindo fatos do presente ou do futuro. A propósito, se
Deus não fosse onisciente, também não seria onipotente,
já que encontraríamos, na sua incapacidade de saber
algo, uma limitação evidente. Dessa forma, de acordo
com a doutrina cristã, Ele fatalmente sabe tudo o que Mas não nos esqueçamos da questão da
vai acontecer. Ele sabe se alguém vai conseguir aquele bondade. Afinal, se Ele tem o poder de acabar com
emprego, se um doente irá morrer de câncer ou se um qualquer tipo de angústia ou sofrimento, não deveria
determinado candidato será eleito, assim como Ele fazê-lo independentemente de uma oração? O
sempre soube que chegaria o momento em que pessoas argumento de que Ele é muito inseguro e que precisa
rezariam pedindo para que estas coisas acontecessem testar a nossa fé não faz nenhum sentido (Ele já sabe,
(ou deixassem de acontecer). Imaginar que Ele lembra?). E nem vou começar a indagar aqui por que
atenderia uma oração pedindo para que Ele mude o Ele não agiu previamente para que esse sofrimento
futuro provoca alguns problemas lógicos inescapáveis. sequer começasse, mas convém observarmos este ponto
Afinal, se alguém pede por algo que já aconteceria de porque é onde reside o principal problema das orações
qualquer forma, então o pedido não mudou nada, tendo de agradecimento. É a velha história do “obrigado por
sido completamente inútil. Mas se a oração convence me curar da doença que o Senhor permitiu que eu
Deus a mudar o futuro, isso significa que Ele sabia que contraísse”, ou “obrigado por me salvar do desastre que
você rezaria, mas anteriormente pensava que você não matou dezenas de pessoas”.
o convenceria – o que de fato acabou acontecendo,
criando um futuro diferente do que Ele conhecia. Ele No fim das contas, não faz qualquer sentido
não é, portanto, onisciente e a nossa cabeça quase funde rezar. Se a lógica não é capaz de convencer alguém disso,
apenas em tentar imaginar este paradoxo! então pode ser que alguns dados consigam!
Mas não nos esqueçamos que esta “mudança Testando a oração
de planos” também viola o conceito de perfeição divina. Responder à questão sobre a existência de Deus
Ora, se todos os seus atos e decisões são perfeitos, Ele não com evidências empíricas é algo que parece ser bastante
comete erros, nem mesmo de avaliação, e sempre atuará improvável. Mas com relação à eficácia das preces, a
no sentido do bem prevalecer. Se Ele foi convencido a história é outra. Para testar o alegado “poder da oração”,
agir de forma distinta da que agiria se uma oração não basta apenas verificar se as taxas de pacientes que se
o convencesse, então o que Ele faria inicialmente não recuperam de doenças ou acidentes é influenciada pela
era bom, ou no mínimo, não era tão bom. Ou então, ele quantidade de orações que recebem. É um teste bem
abandonou o caminho ideal e escolheu outro não tão simples, para falar a verdade, e se mais gente conhecesse
bom. Isso arruína a ideia de perfeição. os resultados de experiências do tipo, talvez ficássemos