Page 10 - Cassandra
P. 10

A
                                                               o longo da nossa vida, temos muitas primeiras vezes, umas
                                                         tendo mais impacto em nós que outras; umas perecem no esqueci-
                                                         mento  e  outras  são  imortalizadas  pela  sua  relevância.  A  primeira
                                                         vez de que vou falar é uma das mais, senão a mais importante para
                                                         mim! Refiro-me à primeira vez que toquei guitarra para um públi-
                                                         co. Para quem nunca teve a experiência, a adrenalina que se sente

                                                         antes de uma atuação musical pode equiparar-se àquela euforia sen-
                                                         tida antes do arrancar de um carrinho de uma montanha russa.
                                                               A primeira vez que toquei, de facto, para um público foi na
                                                         minha  própria  escola  de  música.  Lembro-me  que  cada  ação,  por
                                                         mais  simples  que  fosse,  tornava-se  num  problema  insolucionável!
                                                         Desde  guardar  a  palheta  naquele  bolso pequenino  que  temos nas
                                                         calças (para os guitarristas esse bolso tem, realmente, uma utilidade
                                                         prática!), a afinar as cordas antes da atuação, a preparar o cabo para
                                                         ligar a guitarra... Bem, acho que se percebe a ideia! Quanto mais
                                                         simples era uma ação de se executar, mais nervoso eu ficava ao exe-
                                                         cutá-la.
                                                               Enquanto me preparava para ir para o palco, um outro grupo
                                                         de alunos atuava; eu não me lembro que música estavam eles a to-
                                                         car, mas estava a soar muito bem! E instaurou-se, em mim, o ner-
                                                         vosismo mais irritante de sempre: “Depois de uma prestação destas
                                                         quem dará valor à minha?”; e uma certa disforia começou a con-
                                                         quistar o meu bem estar. Estava ainda a matutar neste pensamento
                                                         torturante quando chamam o meu grupo. Ao subir para o palco, foi
                                                         como se a disforia de que falei há pouco não tivesse o poder de me
                                                         acompanhar, abandonando-me. A euforia e aquele nervosismo sau-
                                                         dável voltaram a tomar conta de mim. O público não ultrapassava
                                                         as cem pessoas, mas eu sentia que esse valor era um valor exponen-
                                                         cial, ao estar em palco; até que o pior que pode acontecer a um gui-
                                                         tarrista  aconteceu:  sentir  as  mãos  frias.  Não  queiram  conhecer  a

                                                         sensação... é como se ficassem impotentes, como se a vossa arma
                                                         mais poderosa vos tivesse sido tirada. Em 10 segundos íamos come-
                                                         çar a tocar e eu nesta deprimente figura.
                                                               Estes 10 segundos rapidamente tomaram o valor de nanosse-
                                                         gundos e, quando dei por mim, já estava a tocar. Na primeira palhe-
                                                         tada, senti mil e uma sensações: as mãos emanavam calor; o público
                                                         passou de ameaçador a amigável; o palco passou de intimidante a
                                                         acolhedor; e, tal como uma droga muito forte, ainda nem tinha saí-
                                                         do do palco e já estava completamente viciado naquela sensação.
                                                               Esta  foi,  de  facto,  uma  primeira  vez  muito  marcante  para
                                                         mim!  Apesar  de  o  palco  ser  de  ridículas  dimensões,  de  o  público
                                                         tomar um número bastante humilde e de se tratar apenas de uma
                                                         atuação de nível académico, eu senti que, a partir daquele momento,
   UMA PRIMEIRA VEZ DEV ERAS MARCANTE                    algo novo tinha suscitado em mim: uma avidez de atuar mais vezes,
                                                         para mais pessoas e em palcos maiores.
        G U I L H E R M E   F E R R E I R A


                                                            9
   5   6   7   8   9   10   11   12   13   14   15