Page 8 - Cassandra
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Um Estudo em Cinzento
As Verdadeiras Cores do Século XXI
O semáforo brilha num vermelho que me ofusca. Ainda assim, é bom ver cor. Enquanto atravessa-
va solenemente a passadeira, debati se aquele vermelho se aproximava mais do magenta ou do carme-
sim.
Eis a primeira grande ofensa, a primeira grande falha no meu conhecimento que se tinha manifes-
tado, agora que os meus horizontes se tinham expandido; na minha extensa educação fora ensinado a
distinguir magenta do amarelo e esses do azul; verde, laranja e violeta como sendo as misturas de duas
dessas cores primárias e, claro, o velho branco e preto, insólitos, além-classificação. Mas nada mais. E
que é feito do escarlate? Não era útil, ao que parece. De que serve saber distinguir os tipos de vermelho,
o azul celeste do marítimo? Nada.
Talvez seja esse o problema. Talvez seja essa a essência da grande falha do Ocidente, aquilo que nos
condena a cair. Meditei em tudo o que me fora ensinado pelo sistema, enquanto rodava a chave e subia
metodicamente as escadas. Aprendi Física, não para um dia subir aos céus e navegar nas estrelas, mas
para construir escadas como as que subo agora, edifícios como aqueles que habito. Biologia? Isso serve
para receitar analgésicos aos doridos e estupefacientes aos iluminados, não para admirar os leopardos na
natureza. Ensinaram-me poesia, é verdade, mas apenas porque as frases poéticas fluem bem e são bem
construídas, e é mais fácil ler um relatório de alguém que sabe colocar fluência na banalidade; aumenta o
rendimento do trabalhador.
As escadas acabaram e, enquanto abro uma última fechadura, já me estou a perguntar acerca de
outros templos da minha vida que descobri serem meras fachadas.
UM ESTUDO EM CINZENTO
AS VERDADEIRAS CORES DO SÉCULO XXI
M I G U E L M A U R I T T I
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