Page 27 - Cassandra
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A tac...), entro. São três e onze (03:11).
minha relação com ela durava há já seis meses.
Começámos dia dois de maio (02/05) e, no dia três de - Adeus – diz uma voz rouca e exausta.
novembro (03/11), cujo relato irei fazer, dei por terminada BANG!
a nossa história. Não por não nos entendermos, ou pela Um som seco rasga o ar. Segue-se um longo, qua-
existência de incongruências entre as personalidades de se infindável, momento de dor... a perplexidade domina-
me por completo. A atmosfera toma a ameaçadora figura
cada um, mas sim pelo vagaroso e torturante processo de
decadência do meu sentimento para com ela. de um vulto fúnebre, mórbido, fatal...
Tinham passado cinco minutos das duas da ma- - Porquê, Filipa?
nhã (02:05), quando o telemóvel toca (Trim, trim, trim). Por fim, reparo num bilhete gatafunhado na me-
Não podia acreditar... Era ela. Atendi. Apesar de a notícia sinha de cabeceira: “Só tu podias adiar esta hora, adiando
provocar, de facto, uma autêntica erupção de angústia, a data do nosso fim...”.
independentemente da hora em que é recebida, esta to-
mou dimensões completamente descomunais ao ter sido
recebida àquela hora! (Porquê? Não sei...) Ela ia cometer
suicídio devido ao término do nosso namoro.
Implorei-lhe para que não o fizesse e, sem pensar
nas palavras que pronunciava, disse-lhe que ia ter com
ela. Ela deu-me até às três horas e onze minutos (03:11).
Não entendi o porquê, mas pouco me interessava... tinha
de me despachar! Vesti umas calças de ganga por cima
das do pijama, um casaco e fui buscar as chaves do carro;
eram duas e quinze (02:15). Tinha cinquenta e seis minu-
tos, mas porquê aquela hora? Pedi-lhe mais tempo visto
que a viagem era de cerca de uma hora e meia; ela não fez
caso, apenas me disse que tudo estava nas minhas mãos.
No decurso da viagem, reinou uma sucessão bi-
zarra de silêncios funestos e acesos debates relativamente
ao que ela ia, ou não, fazer. Não estava a acreditar na situ-
ação com a qual me deparava. E, por mais razões que lhe
desse, ela continuava incessantemente a repetir a hora
limite: três e onze.
Durante um dos silêncios, olhei para o relógio:
marcava duas e quarenta e sete (02:47). Estava atrasado,
porra! Foi então que comecei a aperceber-me do quão
impossível era alcançar o destino que desejava no interva-
lo de tempo que me fora concedido. Comecei a entrar em
paranoia: eram duas e cinquenta e oito (2:58).
Foi então que testei os limites do meu carro:
pressionei o acelerador até ao fundo, atingindo uma velo-
cidade estonteante: vou chegar a tempo! Só faltam 3 qui-
lómetros, são três e oito (3:08). Tic, tac... tic, tac...
Chego... deparo-me com a vivenda dela, e o seu
jardim mais nefasto que nunca. Subo as escadas para a
porta de entrada, toco à campainha; são três e dez (03:10).
Tic, tac... tic, tac... Reparo que a porta estava aberta, en-
tro... Desato a correr para o quarto dela (tic, tac... tic,
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