Page 43 - Cassandra
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OLHEM QUEM ESTÁ
DE VOLTA!
M I G U E L M A U R I T T I
S enquanto impedidos, segregados e exterminados. É uma lógica mui-
emita,
“filho de Sem”, significaria to semelhante à empregada hoje pela extrema-direita: os
um membro do grupo de po- muçulmanos são mostrados como pessoas violentas e sel-
vos onde os hebraicos bíblicos, vagens que procuram destruir os grandes triunfos do cris-
antepassados dos israelitas mo- tão e caucasiano Ocidente; são culpados de vários proble-
dernos, se inserem, mas a que mas, como o decaimento socioeconómico da Europa, cujas
também pertencem os povos ára- raízes são claramente mais profundas. E, claro, esses ora-
bes, como os sírios que têm afluído dores pedem que se impeçam os muçulmanos de entrar
às costas. Isso significaria que, etimo- na Europa, e a sua segregação, o que deixa pouco à imagi-
logicamente, um indivíduo que retenha nação daquilo que será a sua “solução final”. A compara-
preconceito ou ódio para com o povo ção com a Alemanha Hitleriana é justa e sensata.
árabe e a sua herança cultural, um hábito nefasto da ex- Uma outra coincidência interessante é a repetição
trema-direita que vai ficando popular entre as massas, do apelo populista a impedir “a maré invasora que irá
seria um antissemita. conspirar para destruir os ideais portugueses”. É frequen-
O termo carrega consigo um merecido estigma e, te romantizar-se os refugiados sírios, famintos e sem for-
portanto, a medo de ostracismo, um novo termo foi forja- ças, traumatizados por uma guerra horrível, como uma
do – “islamofobia”. Justifica-se este ódio dando-lhe um hoste árabe que vem lutar D. Afonso Henriques na Aveni-
carácter religioso, como se perseguição religiosa fosse algo da Gago Coutinho; políticos nacionalistas avisam sobre
de tolerável ou admirável. Mas mesmo o maior antissemi- um apocalipse no qual as parcas centenas de sírios derru-
ta da História teria desprezo perante tal ódio: “por uma bariam o governo e instalariam a lei de Sharia.
questão de tolerância, considerava injusta a sua [dos ju- Eu associaria estes políticos aos estadistas salazaris-
deus] condenação por motivos religiosos. O tom [da im- tas que defenderam não dar asilo aos 40,000 judeus euro-
prensa antissemita] parecia-me indigno das tradições de peus que fugiam da perseguição nazi (sendo os judeus um
cultura de um grande povo.” (HITLER, Adolf, Mein povo com afiliações conhecidas com o comunismo euro-
Kampf). É fascinante e trágico que tal monstro possa ser peu). No entanto, tudo o que aconteceu com esses judeus
mais tolerante do que figuras políticas atuais. foi eles ficarem enquanto necessário e depois partirem
Poder-se-ia comparar então os dois fenómenos: o quando já era seguro, muito agradecidos pelo apoio portu-
antissemitismo, com o seu apogeu no século XX, com a guês, sem nunca terem tentado derrubar Salazar. E eram
islamofobia que cresce na nossa sociedade vintecentista; a dezenas de milhares.
partir do estudo das influências do antissemitismo do pas- Portanto, comparando a evolução política do antis-
sado tentaremos adivinhar o futuro. semitismo e da islamofobia, e refletindo acerca dos efeitos
O mais proeminente resultado do antissemitismo da primeira na Europa e no mundo, proponho que se tra-
foi a subida ao poder do regime nacional-socialista, en- te esta crise como, em retrospetiva, gostaríamos de ter
trando no pensamento político por via da popularização tratado a crise dos judeus europeus. E pode ser que, de
do antissemitismo nas massas; a crença de que os Judeus novo, possamos ser os heróis da História.
eram culpados pelos seus problemas e que deviam ser
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