Page 48 - Cassandra
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GLÓRIA ETERNA OU GLÓRIA VIVIDA
G U I L H E R M E F E R R E I R A
er-se reconhecido, enquanto vivo, e esquecido para toda a eternidade (sendo esta última demasiado vasta para a nos-
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sa compreensão), ou ser-se reconhecido, depois da nossa morte, e lembrado durante toda essa mesma eternidade? É, de
facto, um dilema um tanto desagradável, talvez até cause algum desconforto na grande maioria. Por um lado, temos a van-
tagem de experienciar o sabor da glória que alcançámos; por outro lado, temos, de certo modo, uma imortalização da nossa
memória. Após um extenso momento de introspeção, vejo-me inclinado para a segunda opção.
Dentre os motivos que levam as pessoas à preferência de serem reconhecidas enquanto vivas, é incontestável que o
mais predominante é o facto de poderem vivenciar essa glória. E penso ser um motivo bastante justificável, sobretudo, nu-
ma sociedade na qual estão instalados o egocentrismo e a necessidade de sucesso pessoal e alcance de conquistas. Como
podemos constatar, uma pessoa que encare a vida numa perspetiva mais mundana não irá escolher uma glória da qual não
possa tirar partido. Depois de morrer, permanece-se morto! Portanto, há que vivenciar e experienciar o máximo possível
enquanto se está vivo, carpe diem! O que me transtorna nesta maneira de encarar a questão colocada é o facto de a nossa
vida, ou melhor, o nosso tempo de vida, ser algo realmente insignificante e repentino, inserido na imensidão da incompre-
ensível infinidade do tempo. Ou seja, ainda que nos seja possível saborear todos os prazeres que advêm do reconhecimento
das nossas conquistas, por parte de terceiros, sinto que se trata de uma glória tão ínfima e tão desprezável, que não merece
que lhe seja atribuído qualquer valor.
Na outra perspetiva, a que me desperta mais o interesse, o cerne está na possibilidade de “escapar à morte”; por ou-
tras palavras, não cair no esquecimento. É, de certa forma, um caminho para atingir a imortalidade, ainda que somente
espiritual. A ideia de que a minha memória seria inextinguível é algo que me fascina; ser uma das personalidades das quais
as pessoas vão falando, ao longo dos séculos. Trata-se duma perpetuação da marca que deixei no mundo. Vejamos, por
exemplo, os filósofos que vão sendo falados e citados, desde Sócrates a Nietzsche; ou os matemáticos e cientistas, desde
Newton a Einstein. Por muitos anos que tenham passado, as suas descobertas e as suas vidas vão sendo sempre relembra-
das e é como se tomassem um lugar no presente.
Tendo em mente ambas as perspetivas relativamente ao problema apresentado, posso afirmar que a ideia de uma
glória perpétua, ainda que não experienciada, me é verdadeiramente mais aliciante do que a sua oposta. Não obstante a
minha posição, considero plausível a outra alternativa de abordagem ao problema.
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