Page 22 - Na Teia - Mauro Victor V. de Brito
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travestis e transexuais. Como era possível homens tão respeitados
em seus meios serem acometidos da “Peste-Gay”, assim definida
pelo jornal Notícias Populares, de 1983? Começava então uma
intensa caçada em todo o território brasileiro contra essa mino-
ria, não apenas por parte da polícia, mas também pela mídia e por
civis. Uma manchete do jornal O Dia, do Rio de Janeiro, de 11 de
novembro de 1984 trazia a seguinte afirmativa: “Estão matando
os travestis a tiro”; a matéria que seguia, tratava dos crescentes
assassinatos na cidade, todos sem a prisão de responsáveis.
O Boletim Epidemiológico da AIDS só passa a circular no Brasil
em 1987 com dados de anos anteriores. A cronologia apresentada
mostrava como a população LGBT se tornou o estigma da doença.
A década de 1980 ficou marcada por uma série de assassinatos
brutais dessas pessoas, e, por vezes, nem o privilégio social era
suficiente para blindar essa caçada. Foi o caso do diretor e ator
de teatro Luiz Antônio Martinez Corrêa, assumidamente gay e
um dos principais nomes do Teatro Oficina, reconhecido espaço
de teatro de São Paulo, ainda nos dias atuais. Corrêa foi encon-
trado, dois dias antes do Natal de 1987, em seu apartamento em
Ipanema de maneira tragicamente brutal: nu, estirado na cama,
com os pés e as mãos amarrados, golpeado na cabeça, estrangu-
lado e mutilado com 107 facadas. Em diversas entrevistas, Zé
Celso, irmão de Luiz Antônio e fundador do Teatro Oficina, diz
que “para se matar uma pessoa, uma, três, cinco ou até dez faca-
das são mais que suficientes. Com cento e sete facadas o que se
quer matar não é a pessoa, mas algo muito mais profundo, algo que
não morre.”. Dois dias após o homicídio, o então surfista Gláucio
Garcia de Arruda é identificado pelo porteiro do prédio como a
última pessoa a sair do apartamento do diretor. Garcia é preso,
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