Page 171 - Girassóis, Ipês e Junquilhos Amarelos - 13.11.2020 com mais imagens redefinidas para PDF-7
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os primeiros goles do café forte e que naquela ocasião se limitou a entrega do
periódico e a um cumprimento com a cabeça porque estava atrasado, os gatos
vira-latas que vinham todas as manhãs para as migalhas de comida,
guardadas para eles pela cozinheira, não apareceram e até os pássaros, que a
boa mulher alimentava com farelos de pão, pareceram mais agitados que de
costume com seus piados mais persistentes e estridentes.
E o relógio carrilhão, que havia parado misteriosamente seu eterno caminhar,
não marcou o passar das horas com suas badaladas musicais, como fizera
desde sempre.
Isabeau dormiu demais e Victor tomou o desjejum sem a companhia da neta
pela primeira vez em anos e o telefonema diário de Cesar, que chegava sempre
pontualmente às onze da manhã, só veio no início da tarde e encontrou Victor
ainda à mesa do almoço se preparando para o cafezinho antes do charuto na
biblioteca.
Então, quando Isabeau, sem nenhuma justificativa razoável a não ser desejar
ficar em casa, anunciou que iria faltar ao seu trabalho de bibliotecária no
Museu de História e Arqueologia da Região de Terra Alta, fundado com a
ajuda de Victor e Cesar e sediado no fim da rua, na antiga mansão Astu Ninan
e, agindo assim, contrariou uma rotina que ela mesma estabeleceu para si e
que costumava seguir com rígida disciplina, Victor não achou o que contestar
porque afinal este fato estranho lhe pareceu perfeitamente de acordo aos
desacordos daquele dia extraordinário.
Ao entardecer o vento havia mudado e já não parecia brincar em rodopios
com as folhinhas sobre o gramado. Estava mais agressivo e soprava do leste
trazendo nuvens de chuvas.
Victor passara o dia enclausurado com seus livros na biblioteca e viu, através
da fresta das cortinas, um homem estranho chegar ao portão do casarão
Gatopardo e hesitar por longos minutos até finalmente se decidir a entrar.