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não,...evaporava-se sem jamais existir realmente. Como por encanto, tal como
o esmaecer do orvalho a se formar e desfazer instantânea e simultaneamente,
ainda que sob os mais delicados, sensíveis e diáfanos raios de sol.
Refén desta certeza, sempre que Cesar era surpreendido pelas madrugadas e
principalmente nos finais das noites outonais, quando a luz era lenta em trazer
as cores da vida, por preciosos segundos antes do amanhecer, conseguia ver o
manto de orvalho sobre os jardins e então sempre lhe era preciso conter as
lágrimas.
Durante anos tal certeza amargurou sua vida. Até finalmente ele se revestir
de um cinismo nada extravagante e mesmo sutil, mas ainda assim por vezes,
bastante cáustico.
Precoce em tudo, Cesar buscou sua identidade no amor desde muito cedo e
também desde muito cedo se convenceu do desamor familiar.
Haveria de levar mais da metade de sua vida adulta para compreender que o
amor se faz também das imperfeições nos relacionamentos e só a trágica morte
da sua família resgataria nele o sentimento de pertencimento à uma linhagem
e ao dever de honrar a sequência das vidas ancestrais justificadas na
valorização da sua própria vida.
Desígnio e exigência de todos aqueles que o precederam.
Redescobrir o amor por sua família ao vê-los mortos, a todos eles, foi a sua
suprema tragédia. Apenas sua. A sua tragédia dentro da tragédia dividida
com Victor e, sobretudo, dentro da tragédia coletiva que não contemplava
essa redescoberta do amor por eles, por ter sido tarde demais.
A tragédia coletiva restrita apenas à perda de todos de uma vez, por sua
profusão indecente de mortes causadas por uma gripe estúpida, lhe infringia
a dor ainda maior ao diminuí-la, apequenando-a à apenas mais uma tragédia
entre todas as outras.