Page 355 - Girassóis, Ipês e Junquilhos Amarelos - 13.11.2020 com mais imagens redefinidas para PDF-7
P. 355
Capítulo 23 Voar, mas para onde
Era uma espécie de música. Cesar tinha certeza disso embora o som lhe
parecesse absolutamente estranho, mas de uma forma arrebatadora,
cativante e inesquecível. E era essa sua segunda certeza. Cesar jamais
esqueceria aquele som.
Sua melodia, sua harmonia, as estridências inesperadas, seguidas de uma
urgência e uma aceleração que iam num crescendo muito bem marcado,
cadenciado, aumentando, aumentando até explodir em acordes violentos
como gritos de angústia ou talvez de avisos, para em seguida baixar até quase
o silêncio completo, com apenas um leve, quase inaudível trinar de minúsculos
grilos agitados. Milhares, milhões de campainhazinhas repicando notinhas
finas, como finíssimas pontinhas de agulhas insistentes no seu pinicar os
nervos e os tímpanos atentos. Sem nunca parar, sem nunca parar.
E as asas agitadas em voos frenéticos.
Mas não eram desordenados. Havia em toda aquela agitação aparentemente
doida e sem tréguas, uma ordem superior que se impunha comandando os
corpos dos alados a cobrir céus e terras e as montanhas e os desfiladeiros sem
fim, e os rios tortuosos.
Pois o império dos alados estava em guerra.
Mas Cesar só conseguiu se libertar da ilusão de que assistia a um balé nos ares,
após, literalmente, ver caírem dos céus aos seus pés corpos de alados mortos,
mutilados, desmembrados em lutas insanas.
Eram grupos em números variados de alados Mantos e Livres, em inúmeras
formações, voando e riscando os ares em movimentos fantásticos e guerreando
uns contra os outros. Encontrando-se, perseguindo-se, trocando lugares,